quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A Galinha Caipira


Já fazia um tempo enorme que não comia uma galinha caipira de verdade. Como achar uma que tivesse sido feliz em vida? Como confiar que aquele vendedor só havia alimentado ela como as galinhas que seu Chico e dona Georgina criavam lá no Campo da Botija na minha infância, apenas fornecendo o milho na manhã e na hora de irem dormir?

Mas havia a promessa de ser quase isso. Era preciso acreditar. Era preciso, tudo porque o desejo já estava fazendo passeata...

Muito cedo, mas muito cedinho acordei e fomos nós, eu e a dona da minha cabeça, com nossas sacolas... Rodoviária. Ônibus na plataforma e lá fomos nós em direção da Casa de Jesus. Maria de Jesus agora está morando em Resende mas não sei por quanto tempo pois ela e sua troupe de andarilhos não conseguem ficar muito tempo num lugar.

Dessa vez a viagem foi mais rápida. A PRF não parou o ônibus pra encrencar com o peso que ele carregava... e assim, chegamos lá meia hora antes do previsto.

No caminho, nosso amigo-anfitrião passou na oficina de um ferreiro amigo para agendar um servicinho no seu carro. E ai, a pergunta que me deixou com um sorriso de orelha à orelha: você tem ovos? Sim, quantos vais querer? E um “perai” providencial. Entrou e casa e voltou com uma caixa cheia de ovos!!!! Conta e depois me paga!!! Já achava que o mundo tinha acabado, que não existia mais dessas atitudes, que o ser humano havia se perdido na longa estrada da vida... mas ali era possível existir gente assim... E fomos pra casa.

Abraços, beijos e todas aquelas coisas de pessoas felizes recebendo gente amada. Quer fazer tudo para agradar. Não mede esforços para isto. Ainda mais que Jesus gerou a dona da minha cabeça.

Bom, e a galinha? Afinal duas horas e meia de estrada... cadê ela? E a notícia: fica para o almoço de amanhã. Hoje teremos um músculo assado com batatas! Claro que boi não é galinha! Mas, em casa de sogra é conveniente não irritá-la... Então, vamos de músculo assado com batatas!

E a visão da mata atlântica, do sopé da Mantiqueira, os passarinhos vindo beber água num daqueles engana-beijas-flores da vida... Fiquei ali sentado, num banco rústico de madeira de demolição que ganhei de herança de Jesus. Esse banco e essa mesa são teus, para quando vieres aqui. Aquela varanda (não conta nada pra ninguém, muito menos pra ela) passou a ser meu lugar de meditação. Ali passei um bom tempo daquele sábado refletindo sobre minha vida e sobre a natureza que deixamos de ver por conta de outros objetivos nesta vida. Meus olhos somente viam mato! De perto e de longe. E pássaros, desde os colibris de todos os tamanhos que disputavam a água até a estratégia utilizada pelos menores para driblar a vigilância dos maiores. Ficavam num arbusto abaixo da garrafinha e davam um pouso relâmpago. Ai o grandão vinha em direção dele e ele já saia de fininho voltando em seguida para uns goles daquela providencial água. E isso me deixou ali observando.

No dia seguinte, me levaram para conhecer as feiras livres de produtores da região. Sem sacolas mas com um dinheirinho no bolso lá fomos em caravana. Eles iriam fazer suas compras semanais. Eu conversar com os produtores e com sorte uma dúzia de ovos. Afinal já havia garantido uma daquela caixa na chegada. Entrei de peito aberto. Os olhos pareciam de criança quando vê doce em festa de Cosme e Damião... Muita comida de cores mais intensas do que as que tem por aqui onde estou morando. Brutas como as mãos daqueles lavradores. Quase sem desperdício. Uma batata doce aqui, uma salsa e cebolinha ali, um obeso alho poró uma couve de folhas de abano de um verde muito escuro. E, mais ali na frente, uma barraca com um cesto de ovos... Moço, quanto é a dúzia? Hummm tá caro. E se eu levar o cesto todo tenho desconto? Não senhor, preciso comprar milho pras galinhas. Milho tá caro. Então tá, vou levar uma dúzia, O senhor coloca na caixinha? Se o senhor não se importar, já me adianta. Então fique tranquilo porque não vou escolher os maiores porque quero ir para o céu... E rimos, os dois. Escolhi quase padronizando (afinal, para receitas de confeitaria, quanto mais padronizados, melhor). E assim sai com minha sacolinha com duas dúzias depois daquele diálogo inconcebível para o Rio de Janeiro.

Mais um papo aqui e outro acolá. Uma boa conversa com um fabricante de embutidos. E a possibilidade de ir em sua propriedade (é assim que eles chamam o que é sítio, chácara, fazendola pra gente). E fomos ainda para uma outra... A surpresa? Leite de verdade!!! E mais peso na minha sacola. Dois litros.

Bom, mas cadê a galinha caipira? Calma. Galinha caipira demora pra mode fazer (como dizem os mineiros de origem). E era a dona da minha cabeça quem estava em casa cuidando do almoço.

Quando chegamos, o perfume daquela galinha enchia tudo em volta. Logo fui largar as sacolas num canto e correr para lavar as mãos. Sim eu lavo as mãos quando chego da rua...! Ah, você não? Então é bom ir se acostumando a fazer isto!

Bom, como nestes casos, a panela fica no fogão. Cada um “monta” seu prato e vai pra mesa. E eu, não me fiz de rogado e ocupei meu lugar naquela mesa rústica de madeira de demolição na varanda com visão da Mantiqueira. Nem preciso contar que pela primeira vez em quase meio século de convívio a dona da minha cabeça fez a MELHOR galinha caipira que comi!!!!! E isso não é para agradá-la não. É a pura verdade. Um arrozinho branco só pra clarear o prato e umas batatas douradas naquele molho “ferrugem”. Saboreei cada pedacinho que me coube naquele latifúndio. Minha alma ficou feliz. Meu corpo agradeceu. E pude perceber que não basta muita coisa para sermos felizes.

Na volta pra casa, num cochilo no ônibus, lembrei dela e a vontade de voltar correndo pra lá. Ou para outra casa que tenha uma dessas.

F A C I L I D A D E S
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