sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Tenho fome de que?

A propósito de um desafio passado no blog da Roberta resolvi colocar aqui, tudo "arrumadinho"...

Tenho fome!

De paz, de amor.
De paz aos homens de boa-vontade.
De amor ao meu semelhante.

Tenho fome!
De comida na barriga dos famintos do mundo.
De comida brotando da terra: sem invencionices modernosas.
De sabores frescos.
De cores lindas.
De cheiros puros.

Tenho fome de cheiro de manga madura na árvore.
Deflores no jardim.
De cheiro de terra seca molhada de chuva de verão.
De terra, quando revolvida pra plantar: comida ou cheiros.

Tenho fome de vento fresco no meio da tarde.
De maresia às cinco e meia das tardes de primavera.

Tenho fome e cheiro do amor recém-acabado, no ar.
De cheiro de banho frio com uma lavanda bem suave.
De roupa limpa guardada.
De lençol e fronha novos na cama. De primeira vez.
De última vez.
De nunca ter tido.

Tenho fome de feijão com arroz em panela de ferro no fogão de lenha.
Do pão adormecido, tornado esperto em manteiga batida e aquecido na chapa quente do fogão à lenha.
De olhos com remela, ainda, na roça, pegando ovo fresquinho. Ou quente, ainda.
De comer ovo frito na manteiga-da-roça.

Tenho fome de boca. Carnuda. Magrela. Mas boca de menina. Menina-moça. Menina-mulher.

Tenho fome incontida de saber.
De precisar procurar.
De buscar.
De sentir o prazer de achar.

Tenho fome desesperada de viver.
De sentir emoções por descobrir.
De olhar fundo nos olhos de quem me olha.
De ficar em silêncio.
E de falar muito.
De escrever.
De conhecer. De explorar atê o âmago aquilo que me atrai. Me dá desejo.

Tenho fome de conhecer desconhecidos.
Não vistos. Sentidos. Intuídos. Recebidos. Trocados.
Tenho tudo.
Tenho nada.
Nada me pertence.
Tudo é emprestado. Até quando?

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Tenho fome de feijão-com-arroz.
Ambos feitos na panela de barro.
Feijão com carne-seca. Arroz com banha.

Tenho fome de galinha com quiabo.
Tenho fome de galinha catada no quintal.
Galinha bem refogadinha no caldo dela mesma e de água pingada.
Com bastante cebola picadinha na mão.
Com quiabo-sem-baba.

Tenho fome de doce-de-banana, de rodelinhas.
De PG (pastel de goiabada) feita no tacho de casa.
De comer “rapid” no meio da tarde.

Tenho fome de comer angu meio-mole-meio-duro com feijão mulatinho.
De costelinha de porco com arroz.
De peito assado por 18 horas, na beirada do fogão à lenha.
De batatas-fritas, fininhas, cortadas à mão.
De doce de mamão-verde.

Tenho fome de caldo de cana espremido entre os dentes.
De manga escorrida pelo canto da boca.
De goiaba pega sobre o lombo de um cavalo. Ou égua...

Tenho fome de sombra e água fresca.

Tenho fome de camarão chiiiiiii.
Tenho fome de tainha em postas, empanadas com fubá.
Tenho fome de comer tamarindo no pé.
Tenho fome de carambola. Chupada, comida.
Tenho fome de uva, comida em pé, pendurada na parreira.

Tenho fome de leite de cabra: direto na boca. Ah, vó, que saudade...
Tenho fome de leite de vaca no copo: Ah, luizinho... Tudo acabou!
Tenho fome de feijão em terra de formiga. De arroz com casca. Polido.

Tenho fome da mandioca arrancada-agora. Lavada e cozida. Com manteiga sapucaia escorregando por ela. Não sabia o que era “fleur de sel”...
Mas também me lambuzava com melado...

Tenho fome de broa de milho. De tabuleiro. Com café-preto. Na caneca de ágata...
Do café ralinho, passado com açúcar no coador de pano. Velho, cansado. Que não deixava mais seu gosto. Só café-com-açúcar.

Tenho fome de caminhar na chuva, pés descalços.
Tenho fome de ver raios caírem no mato.
Tenho fome de ver água escorrer pelas árvores.
De ver o gado, molhado, voltando pra casa. Em fila. Remoendo a chuva.

Tenho fome do carro-de-boi gemendo com o peso. Ou com o vazio.
Tenho fome de cozinhar com lenha. Plantada. Ou não. Responsável, apenas.
Tenho fome de ver sapos pulando. Gatos brincando. Ou dormindo.

Tenho fome de doces. Já não os posso mais...
Tenho fome de correr. Já não posso mais...
Tenho fome de comer. Preciso moderar...

Não tenho fome.
Tenho saudades.
Eu acho.

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