sábado, 17 de maio de 2008

Sensações


Na visita desta semana à dona Diva, num de nossos momentos de "viagem" gastronômica que começou pela lembrança de frutos de cupuaçu que ela havia me dado na semana anterior, ela acabou, sem querer, me dando mais um motivo pra escrever essas coisas daqui.

Sensações foi a palavra que ela usou para me mostrar como ela percebe o ato de comer a tortinha de cupuaçu e chocolate.

É que na verdade existe aquilo que nós loucos por fogo adoramos fazer: brincar com os ingredientes, com os sabores, com as texturas.

Assim, vou começar pelo cupuaçu. Ele é o fruto de uma árvore da amazônia brasileira. Para os "íntimos" é conhecido como Theobroma grandiflorum; ex-Sterculiaceae. E, ainda, é parente próximo do cacau. Os frutos apresentam forma normalmente ovóide e medem até 25 cm de comprimento, tendo casca muito dura e lisa, de coloração castanho-escura. As sementes ficam envoltas por uma polpa branca/amarelo pálida, ácida e aromática.

A polpa é extraída das sementes, de forma artesanal, (doméstica) com a ajuda de uma tesoura. Dai para a frente cada um segue um processo próprio.

E, a partir daqui a brincadeira vai começar. As sensações do ácido, azedo e doce vão instigar todo aquele que dela provar. Assim, só ela. A polpa prontinha, doce.

Eu, depois de despolpar, caroço por caroço, levo ao liquidificador junto com 1/4 do volume de polpa, de água de moringa.

Depois disso, ao fogo baixo com 20% do volume de açúcar cristal. Foi o que melhor resultado final. Mas, é possível fazer com o açúcar refinado comum. Isso leva um bom tempo. E deve ser mexido com uma colher de pau. Se você tiver um tacho ou panela de cobre para fazer este processo, melhor. O resultado final estará "no ponto" quando, ao puxar com a colher a polpa, ela formar um "vazio" e lentamente recompor o espaço.

E aqui, você com a repetição do processo chegará ao seu próprio "ponto", mais frouxo ou mais apertado (não é Li?). Ou seja: mais mole ou mais duro. Questão pessoal...

Ao provar, você irá perceber estas variações.

Agora, a base: aquela mesma que eu já descrevi por aqui. Açúcar com manteiga até ficar cremosa, fofa, esbranquiçada. Ai, mistura a gema peneirada na gravidade. Depois vai agregando a farinha até ficar uma massinha gostosa de manipular. Deixa ela tirar uma sesta antes de moldá-la nas forminhas individuais. Claro que podes fazer uma grandona. Formatos? O que você achar que agrade mais aos teus olhos. Nada MUITO fixo. Crie!!!!

Forre as forminhas sem muita manipulação e pressão na massa. Com carinho. Eu coloco ela pra tomar um friozinho antes de ir ao forno. 180ºC até "alourar" as pontas.

Aqui, depois de voltar a temperatura ambiente, a sensação do "croc" lá atrás do ouvido. É preciso que esteja firme e que desmonte na boca. A língua precisa sentir a pressão do "biscoito" e ao mesmo tempo a sensação de "desmontar", "derreter", "desmanchar" dessa casquinha. É, até possível, colocar pó de castanha do Pará junto com o trigo. A sensação ficará melhor, mais sabores, a textura diferente, o sabor instigante da floresta.

Em banho maria, sem que a água toque o fundo da tigela, em fogo baixo (apenas para transferir calor), esquente creme de leite fresco (se não tiveres dinheiro para isso, compre o de caixinha. Escolha a que tem mais gordura.). Coloque um bom chocolate picado ali (aqui também vale a substituição, afinal o gosto é individual). Mexa até estarem um corpo só. Apaixonadamente um dentro do outro. Retire do fogo. Misture uma colher de sopa de manteiga sem sal (se for uma barra de chocolate brasileiro e uma caixinha de creme de leite, por exemplo. Se mais, faça isto proporcionalmente).

Na forminha de biscoito, coloque uma porção do creme de cupuaçu. Depois cubra com o creminho de chocolate. Deixe ele voltar à temperatura normal. Ou não!

Serão sensações diferentes, texturas diferentes. Escolha a sua!

Ai a experiência final: o crocante do biscoito. O ácido e azedinho do cupuaçu misturado com o açúcar. O doce e o amargo do chocolate (quanto mais amargo ele, mais se acentuará estas diferenças.

Concentrado, você descobrirá TODAS estas variações. Pare no tempo. Não ouça nada além do "barulho" que é feito na sua boca. Ouça-os! Sinta os perfumes que são levados ao cérebro através das papilas gustativas. Sinta os dentes penetrando no chocolate, depois no cupuaçu e depois no biscoito. Lentamente. Deixe-se levar por estas sensações.

[clique sobre a imagem para ampliar]


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6 comentários:

Valentina disse...

Que delícia de texto.adoro cupuaçu. comi muito crescendo, quando o resto do Brasil nem tinha idéia dele.

Anonymous disse...

Conheço bem este cupuaçú e estou com saudades. bjs

Adriana disse...

sEMPRE PRIMOROSO,NOVAMENTE DEU UM SHOW DE COMPETENCIA.uMA LINDA SEMANA.

Luciana Macêdo disse...

Brincar e sentir estes sabores em uma só tortinha...coisa de outro mundo.Delícia.
Bjs!

Axly disse...

Ai Carlinhos, só você pra fazer tanta poesia com uma receita^^
E eu imagino o sabor que não tem toda essa mistura... adoooooro cupuaçu, coisa fantástica!
Só suco ou iogurte já me deixa no céu, imagina tudo isso.
Kisss pra ti e ótimo feriado^^

Mel L. Ramos Bryar disse...

Me deliciei com o post e fiquei imaginando as sensações ao comer esta torta...só tive oportunidade de conhecer cupuaçu em suco...mas, sei pelo meu pai que é uma delícia....abraços