domingo, 27 de julho de 2008

Mentiras


A semana foi muito densa pelos aprendizados. Situações inimagináveis vieram até diante de meus sentidos. Vez por outra a voz ainda tentou falsear mas segurei firme no brete e ela pode voltar ao seu rumo normal.

Aquela realidade toda ainda não foi completamente assimilada. E tenho fé que não seja: quero continuar humano. Mas controlável.

Já consigo perceber alegria nos rostos sofridos. Um toque toque já conhecido seguido de um barulho frio como o do metal batendo no chão. Os risinhos felizes. Aprendi a improvisar para contornar situações apesar de estar escrito aqui na minha frente que este ano não improvisaria. Tem sido necessário. As descobertas das alternativas viáveis têm me levado por caminhos nem sequer sonhados.

Assim tem sido a vida nestes últimos tempos: uma daquelas caixinhas de surpresas. Mas não com o bonequinho de molas saltando todas as vezes...

Conviver com o impensado. Descobrir forças onde não imaginava ter. Suportar palavras que tenho certeza não mereço e que em outras vezes seriam motivos de explosão. Agora o silêncio...

E assim tem sido. Até que naquele dia, numa das inúmeras voltas não sei de onde para a mesa que temporariamente habito, passei por uma pseudo-cozinha e senti um cheirinho de lanche da tarde dos tempos de infância. Coloquei minha cabeça lá dentro e não é que aqueles corpos que tanto têm suportado adversidades estavam ali, sorrindo, e preparando mentiras para todos.

É claro que a pergunta saiu sem que eu pudesse me calar, como convém em tantas de outras vezes nesta mesma situação: a intimidade delas. Meu espírito não se conteve e colocou em minha boca "o que sai dai tão cheiroso?". Mentiras foi a resposta.

Mas como mentiras? Ali sobre a espremida mesa de trabalho que em nada se parecia com as "praças" às quais me habituei nessas cozinhas habitadas mesmo que temporariamente, uma mesa enfarinhada e um tanto de massa esperando a vez. A outra, já sendo "aberta" com a ajuda de um rolo.

No "duas-bocas" elétrico, uma panelinha com óleo esperava a hora de receber as mentiras. Afinal, tem horas que uma mentira merece tomar um calorzão para quem sabe, poder virar verdade. Ou desistir.

E não é que eu recebi uma mentira para aprender a conviver com ela? Na minha cabeça, um "bolinho de chuva". De longe, muito melhor que as imperfeições que vi prontas para comer, envergonhado daquilo. A massa me pareceu mais encorpada pois podia ser trabalhada nessa superfície, diferente da de chuva.

Quem sabe um temporal? Um temporal de alegria, de superação, de aceitação, de persistência... Mães, vocês são aquilo que Deus colocou aqui neste planeta para mostrar a cada um de nós o que é tudo isto: viver!

Olhando de esguelha cada uma delas, brincando por momentos-relâmpagos, ouvindo mais atentamente noutros momentos, cada uma delas, ali, fazem parte de minha vida. Na realidade elas são o motivo de todos nós estarmos ali, na mesma casa.

Cedo saio. O frescor da manhã e a companhia daqueles a quem quero muito, aproveito para o exercício físico, meio que descompromissado de agitações, sigo ouvindo minhas músicas, conversando comigo ou com quer me ouvir. Ou gosta. Ou precisa.

Chego cedo e saio tarde. Sem compromisso em seguir horários. Um único: viver aquilo que eu acreditava ser mentiras. Mas são verdades. Muitas vezes tão profundas que nos recusamos a acreditar. Ou preferimos ignorá-las.

Assim, dois ovos, gemas peneiradas, foram mexidos com o garfo até quase serem uma coisa só. Duas colheres de óleo vegetal vieram se meter, se misturar, dar palpite na vida dos ovos. E as duas xícaras de açúcar vocês acham que ficaram de fora? Nada disso: engrossaram os ovos. Um quarto de xícara de água morna também foi ali pro bloco. Olhei pra eles, ali assim meio moles como cansados, misturei uma colher de chá de essência de baunilha e, depois, coloquei devagar, devagarinho duas e meia xícaras de farinha de trigo misturadas com meia colher de sopa de "pó real". Ficou uma massa maleável, mas trabalhável.

Coloquei numa superfície enfarinhada e abri com a ajuda do meu fiel companheiro "cano plástico". Cortei tiras mais ou menos uniformes. Hoje não havia o compromisso com a padronização rígida a que me habituei nestes últimos tempos. Fiz rolinhos longos e cortei pedaços de aproximadamente cinco dedos entreabertos. Fixei as pontas, fazendo uma argola. Cada uma delas foram fritas em gordura vegetal até que ficassem douradas. Apenas isto: douradas.

Juntei uma colher de sobremesa de cacau em pó a duas colheres de sobremesa de açúcar refinado. Não queria misturar muitos sabores. Apenas dar um sabor diferente ao açúcar. Depois de fritos ficaram descansando em uma peneira para secar. Depois, peneirei o açúcar com cacau e misturei bem. Assim, uma fina camada de cacau, adocicada envolver os bolinhos de mentira.

Quando o pessoal descobriu quase todos foram embora. Mas ainda tive tempo de registrar para vocês o rostinho deles.

[clique sobre a imagem para ampliar]


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7 comentários:

Anônimo disse...

Oi Carlos, se estas mentiras ou bolinhos de chuva tão lindos, como mostra a foto, foram feitos na Casa Ronald, eu não vi e nem provei, uma pena! Pela forma que você relata não deve ser mentira e nem deve ter chovido!!( rs rs rs)
O que importa é seu empenho e o crescimento dentro de você de superar, não a mentira, mas o que mais você temia. Afinal são mulheres e crianças guerreiras lutando, com esperança e alegria, para vencer e conquistar a qualidade de vida merecida.
Um grande beijo!!!!!!
Sonia

Adriana disse...

Aqui chamamos de bolinhos de chuva e minha mãe fazia sempre,eu amo!!Boas lembraças voce me trouxe!

Anônimo disse...

Os que eu comia em casa eram em bolinhas, mas assim fica mais charmoso.
bjs

Anônimo disse...

eh verdades!!!!

Carlos Alberto de Lima disse...

São apenas oportunidades de aprender com o semelhante.

Mesmo que muitos deles não percebam que nos ensinam coisas importantes para nosso caminhar.

Anônimo disse...

Carlinhosssssssssssss!!!!!!!!!!
Não sei o que é maior!!!!!!!!!!!
Minha saudade ou o meu orgulho!!!!!!!
Beijas, Querido!!!!!!!!!Muitas beijas!!!!!!!!!!!!!
Love, Li

Leila disse...

Oi Carlinhos,

esses bolinhos de chuva lembram o inverno no RS, tomando chimarrao.

Meu querido, eu tenho muita curiosidade em saber o que voce mais curtiu fazer, comer, visitar, beber, criticar...desde que o Bacalhau com Batata surgiu, entao, desafio voce com as 10+, caso queira fazer.
beijinhos