domingo, 28 de setembro de 2008

O tempo


Não pretendo escrever sobre o tempo nublado ou não que faz no Rio.

Quero falar do tempo-lembranças. Tempo em que ia para uma fazenda no sul de Minas. Uma tropa enorme se deslocava para lá sempre que os feriados ajudavam. Era prenúncio de farra.

Alguns de nós, primos e agregados, costumávamos levar as crianças (sim, alguns de nós as tinham pequenas ainda). Lá, a liberdade fazia com que a formação delas pudesse ser um pouco mais diferente do que teria sido se apenas vivessem nas gaiolas de agora que insistem em chamar de moradias. Para seres humanos.

Enfim, o tempo passado naquela casa foi muito importante para muitos aprendizados. Acordar cedinho, tomar um cafézinho apenas para "espantar o sono" e ir para o curral às gargalhadas, sentir cheiro de bosta e o sabor daquele leite fresquinho e extremamente natural era prazer pra nunca mais esquecer.

O Luizinho com sua paciência era um olho na têta e outro na criançada.

Mas esse tempo passou. O Luizinho também. A fazenda é agora apenas uma casa onde o "tio" espera pela hora de partir. Já quase não vamos mais lá por conta desse "tempo" que não quero falar.

Essas lembranças vieram por conta de uns poucos dias na serra, em Itaipava. Aquela mata, aquele sossego levaram minha cabeça para mais adiante: Sapucaia.

E, dai para a saudade das coisas que a gente comia por lá, foi um pulo rápido.

E o feijão tropeiro apareceu agora, dessa forma. É claro que lá no fundo outra coisa colaborou para toda essa recordação: uma panela de ferro que acabei de comprar.

Bem, tudo isso junto, foi hora de partir para a execução: o feijão catado e demolhado pela noite inteira, foi para a panela de ferro para minha primeira experiência contemporânea juntando ela com o fogão à gás. Calmamente, com fogo baixo em sua bundinha ela foi tratando de tornar aqueles secos grãos em comestíveis. Só uma folhinha de louro do quintal estava ali a dançar no meio dos saltitantes grãos do carioquinha. É, porque tropeiro que se digna não pode ser com feijão preto...

Em uma frigideira, tratei de chamar o sabor da linguicinha fina que comprei para esta ocasião. Não tinha a mineira de tripa como muitas vezes comi por lá. Então, foi usada uma calabreza mesmo. Paciência: tem horas que não conseguimos o que desejamos, não é?

Depois de aquecida, foi a hora de preparar a farofinha enquanto o ovo cozinhava ali ao lado. Oito minutos apenas após o início da fervura.

Uma boa farinha de mandioca, que também me remete ao tempo de outrora - neste caso à minha infância na cidade - foi a escolhida. Ela é metida à besta, toda granfina! Preparada até o ponto de começar a ficar douradinha. Depois, misturada com os pedaços de linguiça, foram mantidos aquecidos até que o feijão terminasse de cozer. O ponto foi de não tão macio, mas sem estourar os caroços, nem "al-dente". Eu acho que foi a vantagem de cozê-los na panela de ferro...

Misturei com um pouco do "caldinho" dele. Mexe pra cá, mexe pra lá. Revira. Prova o sal. Coloca mais. Agora uma, duas, três rodadas no moinho para chover pimentinha do Reino... Mais mexida.

Os ovos. Agora era tempo de tirar da água quente, tirar sua casca e cortar. Um deles foi picado grosseiramente para misturar. O outro, cortes mais ortodoxos, para "enfeitar".

Ah, o toque de modernidade foi dado pelas tenras folhinhas de rúcula precoce que tenho conseguido por aqui.

Dai pra frente foi deixar a cabeça viajar no tempo. Ouvindo Caetano Veloso.

[clique sobre a imagem para ampliar]


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2 comentários:

Anônimo disse...

Que luxo!!!
É uma delícia poder provar novamente dos seus textos e de suas receitas, ambos feitos e servidos com muito carinho.
Merci,
Bisous!!!

Anônimo disse...

hummm