sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

A primeira vez a gente nunca esquece


Sempre tem sido assim. A primeira experiência nos marca de alguma forma: umas bem outras, nem tanto...

Naquele domingo foi assim. Era a primeira vez que eu estaria convivendo na intimidade com aqueles engravatados executivos do que é hoje um grande grupo do ramo siderúrgico. Havia sido convidado para um churrasco na casa de um deles, em Itaipava (para quem não é do Rio, um belo recanto da serra carioca).

A chegada, com mapa da estrada, como convinha foi bastante cerimoniosa. Afinal não havia conseguido enxergar aqueles homens de bermudas e camisas esporte (algumas, nem tanto) ali, rindo, se abraçando e conversando assuntos que não de trabalho. Afinal, eu não era um deles...

As mulheres, já enturmadas conversavam em sua "rodinha" sabe-se lá sobre o que.

Lá, junto da churrasqueira - é possível um gaúcho não ter churrasqueira? - estavam eles, copos de cerveja à mão, fazendo o seu "clube do bolinha" aquele momento.

O mais "alemão" deles (era assim que eles chamavam os gaúchos descendentes de alemão que mantinha mais fortemente presente a descendência) comandava a churrasqueira. O menos gaúcho (e que por sinal era o superintendente da usina do Rio apenas ficava rondando o grupo, rindo e conversando. Hoje é um daqueles que não está mais entre nós. O mais alemão, também.

Mas, ali, fui chegando e à medida do possível participando da coisa toda.

Na hora do "serviço", todos chegavam com seus pratos e talheres para pegar os pedaços preferidos e servirem-se, também, dos acessórios.

Papo vai, papo vem e a comilança acaba. Cada um buscou um canto. Lá pelas tantas, cadê o alemão? Procura daqui, procura dali, acabamos achando ele dormindo sobre o banco traseiro do seu carro. Havia uma dose extra de cerveja por ali.

- Gert, o que faremos com as carnes que sobraram? Foi uma pergunta que consegui ouvir.

- Já vamos começar a fazer o "carreteiro"... Quem vai distribuir as tarefas? perguntou outro deles.

Lá para a bancada fomos nós. Coube a mim pegar uma faca e começar a cortar as carnes num tamanho que mais tarde fui apresentado: o "brunoise". O Sirleu bradava comigo sempre que ao olhar para meu bocado de tarefa percebia alguns cubos maiores do que ele gostaria que estivesse. Foi uma de minhas "primeira vez" naquele dia.

Todas as carnes que ainda estavam no espeto picadas foram colocadas numa panelona. E, sob os cuidados e comando do Gert levada para a cozinha.

Lá, foi a vez de picarmos tomates, salsinha e cebola. Da mesma forma fui apresentado - sem imaginar àquela época - ao "mis-en-place"...

A exigência era similar à de muitos chefs que conheci mais recentemente. Era preciso que tudo ficasse da forma que o Gert e de seu "sous-chef" Sirleu exigiam.

Tudo em pratinhos, separados, começava a aula para os "iniciados" naquela tarde-noite...

- Primeiro - dizia o Gert - é preciso colocar o óleo. Quando aquecido, a cebola picada. Regoga ela em fogo brando para não queimar. Apenas até amolecer. Depois o alho.

Refogados eles, era a vez de colocar as carnes. Todas picadinhas ficaram de um lado para o outro se revirando naquela panela até que ficassem completamente douradas.

Nesse ponto ele colocou o arroz. Sem lavar - como ele fez questão de frizar pois, segundo ele a primeira água do arroz tem que ser a dos tomates!

O mulherio que assistia aquelas explicações ficou horrorizado. Elas haviam aprendido com as suas mães e avós que o arroz precisava ser lavado, escorrido e secado para que a "goma" saísse e ele pudesse ficar soltinho na hora de servir...

Bem, a carne e o arroz já estavam devidamente misturados. Já se podia ver a diferente cor do arroz branquinho. Naquele ponto, o tomate foi adicionado. Misturado, foi a vez da salsinha entrar na dança.

Agora, a água fervendo até "dois dedos acima do nível do arroz". E olha que o dedo que serviu de parâmetro era de um "alemão" e não de criança...

Ali, qual uma pajelança, ficamos todos olhando para a panela tampada enquanto a água sumia. Só depois de algum tempo a tampa foi afastada para que ele pudesse olhar como estava.

O grande segredo era que o arroz precisava dar uma "pegadinha" para o "mais velho" se deliciar dela. Afinal de contas era a ele que cabia a tarefa de servir o carreteiro para todos. Não havia essa democracia de todos se servirem pois segundo eles existia uma "ciência" que consistia em servir o arroz sem que ele desmoronasse. Isso só poderia acontecer no prato de quem era servido.

Assim, o "mais velho", de posse de uma colher de servir arroz ia retirando as porções ao redor do centro e servindo todos. Cota fixa, nada de repetir...

Ao final das contas pude ver o prêmio do mais velho: uma fina camada de queimado, resultado da tostada dos grãos do arroz que ficavam mais para o meio do fundo da panela.

E, assim, ao anoitecer pude pegar a estrada de volta para casa cheio de aprendizados que sempre que faço um churrasco tento à medida do possível repetir aquelas lições.

E assim foi o que aconteceu com o churrasco que improvisei na varanda de meu apartamento: tudo conspirou a meu favor: muita gente fora, tempo fresco, com direito a chuva fina e ventinho.


Um simples carreteiro

Este é o carreteiro. A cor do arroz poderá variar dependendo do quão escura ficar a carne na churrasqueira.


[clique sobre a imagem para ampliar]


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7 comentários:

Anônimo disse...

Carlinhossssssssss!!!!!!!!!!!
Depois das comilanças das festas, nada como um prato leve e delicado, né???????
Rá....rá.....rá!!!!!!!
Beijas cheias de carinho!!!!!!
Li

Adriana disse...

Como sempre visitar seu cantinho nos tras muita alegria. Feliz 2009 e espero continuar contando com estes comentarios ,receitas e alegrias no meu dia-a-dia!

bjs de Frutal!

Anônimo disse...

Carlinhos amore querido,

um feliz 2009 prá você, prá nós.
Também sou adepta de um carreteiro pós churrasco. Imperdível!!!

Beijinhos,

disse...

Olá Cacá!

Genial!!! Adorei a idéia. Até eu que não sei nada de cozinha estou com vontade de tentar essa. Vou experimentar e depois te falo. Vale para carne feita em casa no forno também?

Beijos.

Carlos Alberto de Lima disse...

Claro, Rê. Apenas deixa ela ficar bem dourada para poder transferir mais sabor e cor ao arroz.

Luciana Macêdo disse...

A rapinha da panela sem dúvida é o melhor, às vezes dá até briga...
Este arroz, é uma ótima idéia para usar as sobras do churrasco do final de semana.
Bjs!

Pedro Botelho disse...

Carlinhos,
o primeiro post do ano agente também não esquece
Feliz 2009!,

Pedro Rui