domingo, 7 de junho de 2009

Chegou a hora da fogueira: é noite de São João...


Desde muito pequeno nós esperávamos as noites frias de junho. Lá na casa do vô Chico – que ficava num terreno bem grande (era assim que eu via naquele tempo) – eu, minha irmã e minhas primas saíamos procurando pedaços de paus, de árvores, o que mais pudesse formar nossa fogueira de S. João.

Naqueles tempos estas festas eram responsáveis: não havia desmatamento para se fazer fogueiras. Os balões, apenas os “japoneses” que muitas vezes nem subiam 20 metros com sua pequena bucha de álcool e parafina.

Naquelas noites quase sem poluição e com a camada de ozônio ainda completa, o céu ficava todo estrelado. As noites frias, sem nuvens, deixavam nossas cabecinhas viajar por aquela imensidão de um azul tão escuro que era quase preto.

Mas ali, numa casinha simples morava meu avô Chico e minha avó Georgina. Hoje em dia sinto saudades de vocês dois. A pequena cozinha tinha apenas um pequeno fogão, uma bancada de pia que tinha um lugar embaixo dela para minha vó guardar suas coisas de cozinha. Uma cortininha de pano todo florido cobria de nossos olhos o que havia ali. Em cima da pia uma pequena prateleira completava os lugares de guarda dos utensílios.

Ali naquela bancada tinha um filtro de barro que estava sempre cheio de uma água fresquinha que ainda hoje sinto seu frescor em minha boca. Tanto que recentemente comprei um para mim. Num dos lados, um armário servia de guarda das comidas e da louça do dia-a-dia. Em frente à pia, do outro lado, uma mesa e as cadeiras usadas para a gente fazer nossas refeições.

Ali, muitas, mas muitas vezes ficava com meu vô catando migalhas do pão que ainda sinto falta, juntados com a faca para eu pegá-los com meus pequenos dedinhos. Ouvir suas histórias. O carinho dele era contar histórias...

Naquela cozinha, no dia de São João era um fervilhão de gentes: minha tia, meus tios, vizinhas e amigas passavam por ali a todo o tempo.

Lá fora, tio Durval já montara juntamente com meu vô a fogueira no centro do quintal. Grandiosa ela começava com toras mais grossas e terminavam com galhos finos. Garbosa, reinava ali no centro. Ninguém poderia chegar perto dela. Apenas seu calor aqueceria nossos corpos naquela noite. Ao final da queima, quando só restassem brasas, os adultos começavam a colocar batatas doces para depois comermos elas assadinhas... As crianças precisavam de ajuda dos adultos para comê-las.

E lá tinha, sobre a enorme mesa colocada na parte de fora muitas coisas gostosas: bolos de milho, bolos de mandioca, milho cozido e tantas outras guloseimas.

Para que vocês possam, também, curtir a noite de São João, se não com uma fogueira para esquentar os corações, que possam preparar algumas das receitas que comíamos naqueles anos...

Um bolo de fubá com a receita já adaptada aos ingredientes que hoje usamos:
2 xícaras de fubá, ½ xícara de farinha de trigo branco, 2 xícaras de açúcar mascavo, 3 ovos caipiras, 1 ½ xícara de leite, 1 colher de café de canela em pó, 1 colher de sopa de fermento químico, 1 pitada de sal e erva-doce à vontade.

Primeiro, minha avó colocava as gemas dos ovos, a manteiga numa tijela. Misturava bastante com a colher de pau até que começasse a formar um creme. Ai colocava o açúcar peneirado. Continuava a misturar até formar um creme esbranquiçado. Depois ela peneirava a farinha de trigo e o fubá numa outra vasilha e com a ajuda de uma colher ia colocando aos poucos no creme. Misturava. Quando começava a ficar mais grosso, colocava o leite, também aos poucos. Alternava o leite e as farinhas até que eles acabassem. Depois, a pitada de sal, a canela em um punhado de sementes de erva-doce.

Pegava uma outra vasilha e batia as claras em neve firme (como ela dizia). Antes de colocar as claras no massa, colocava o fermento e a seguir, a clara em neve. Mexia calma e cuidadosamente enquanto a gente ficava ali da mesa só olhando ela fazer as coisas.

Passava manteiga numa forma de furo no meio e depois colocava uma colher de fubá ali na forma. Batia pra cá e pra lá. Depois colocava a massa crua dentro da forma e colocava no forno que já tinha sido aceso.

Mais um tempo e o cheirinho corria pelos nossos cérebros e ainda hoje moram lá. Ah, ela tinha mania de enfiar um desses palitos de dentes no bolo. Dizia que era pra ver se estava pronto. Mas eu gostava mesmo era quando podia comer...

Outra coisa gostosa que ela fazia era um bolo de mandioca que eu consegui recuperar da cabeça dos que ainda estão vivos.

Um quilo de mandioca (aipim) descascada e ralada no ralo fino, 3/4 xícara de manteiga derretida, 2 xícaras de açúcar cristal, 3 ovos caipiras, 1 coco seco, ralado, 1 colher de sobremesa de fermento e uma pitada de sal.

Ela lavava a mandioca e descascava todas elas. Depois pegava um ralador que parecia uma tela e ralava todo o aipim numa tijela. Depois era a hora do coco. Fazia um furo naqueles três olhos que existem no coco seco. Ai escorria a água num copo de vidro. É claro que a gente bebia essa água... Depois dava uma aquecida no coco sobre o fogo do fogão e batia ele em cima da bancada. O bichinho não resistia... Ai ela soltava todo ele daquela casca dura e com uma faquinha vinha se sentar na mesa para descascar o coco. Depois ralava ele naquele mesmo ralador que usou para ralar a mandioca (ou aipim, tá bem?). Derretia a manteiga que já estava amolecida e separava o açúcar que iria usar. Os ovos a gente já havia pego lá no ninho das galinhas. Fresquinhos, do dia! Colocava todos os ingredientes na tijela e mexia com a colher de pau. As claras eram batidas em neve e depois incorporadas lentamente à massa. Depois, passava mais manteiga num tabuleiro e com a ajuda de uma colher, colocava um pouco de farinha de trigo. E de novo aquela bateção pra cá e pra lá para espalhar a farinha de trigo dentro do tabuleiro. Depois aquela massa cremosa ia para o tabuleiro e depois para o forno.

Ah, claro, o palito ia dar a sua furadinha...

De noite, na hora da fogueira a gente cantava: “Chegou a hora da fogueira; É noite de São João; O céu fica todo iluminado;O céu fica todo estrelado; Pintadinho de balão; Pensando no caboclo a noite inteira; Também fica uma fogueira; Dentro do meu coração.

Quando eu era pequenino; De pé no chão; Eu cortava papel fino; Pra fazer balão; E o balão ia subindo; Para o azul da imensidão...”


F A C I L I D A D E S

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4 comentários:

Anonymous disse...

Caramba, mesmo estando tão longe, pude quase sentir o cheirinho dos quitutes e o friozinho característicos das festas juninas.
Ainda bem que estarei em férias no Rio e poderei desfrutar dessas delícias.
Abraços
Cezar

Shirley disse...

Ah que boas lembranças este post me evoca... Tb eu curtia as festas de são joão. A gente catava bambu pra enfeitar a rua. Tinha fogueira, balão, batata doce na brasa. Os vizinhos se juntavam e todo mundo brincava. E lá se ia eu com meu vestidinho de caipira vermelho e minhas trancinhas (originais, pois eu as usava 365 do ano!). Era uma noite animada e feliz. Obrigada por me relembrar. bjs, cacá

Fátima Dias disse...

Carlos
Não me canso de dizer que amo ler os seus escritos e hoje novamente eu viajei para minha infância, meu pai adorava organizar nossa Festa Junina todos os anos...
E desde o ano passado eu e meus irmão resolvemos resgatar essa tradição, ainda sábado passado, fizemos o nosso 2º Arraial dos Furrikeiros (um dia eu explico a razão dessa palavra), com direito a casamento, padre, noiva de barriga postiça, pai com espingarda querendo pegar o "cabra safado", e é claro muita comilança... a festa só terminou ontemàs 8 horas da noite.
Além de deixar minha mãe feliz, conseguimos resgatar os momentos tão alegres que passávamos junto com nosso pai.
E ainda conseguimos reunir alguns amigos de nossos pais juntamente com seus filhos que hoje também são nossos amigos.
Carlos um grande beijo e obrigada por aquecer meu coração com essas histórias maravilhosas...

véra disse...

ah tempo bom!!!
este era o quintal onde brincávamos
de pé no chão!