sexta-feira, 12 de junho de 2009

Festa na roça


Já faz um tempo que não nos reunimos na nossa “roça”, naquele lugar que encheu nossos feriados de alegria e aprendizados.

Ainda jovens, solteiros, os primos-entre-si se misturavam aos amigos e juntos a algazarra chegava à casa-sede de onde outrora era comandada uma bela e enorme fazenda.

Nestes dias de feriados não havia sossego. Quase não se dormia. Muito se comia. Muito barulho...

Daquela vez estávamos ali para passar o são joão. Era minha primeira festa naquele lugar que envolveria mais do que pessoas da sede. Todos os colonos, todos aqueles que viviam nas casas das terras que circundavam aquela sede se reunirão no adro da pequena igrejinha que fora construída pelos seus primeiros donos e, pertinho das janelas da escola municipal mais recentemente construída para levar o saber às crianças que naquela época nasciam ali.

Havíamos chegado ao longo do dia anterior. Uns muito cedo se encontraram nos pontos marcados desde o estacionamento do supermercado na avenida Brasil, ao Alemão que ainda hoje está fincado lá na serra ou, até no bar Brasília que durante muito tempo foi nosso “xixi-break” da viagem. No alemão, ainda cedo, muitos não dispensavam o cachorro de lingüiça. No Brasília os pastéis, que na semana-santa ganhavam o recheio de bacalhau. Também as coalhadas servidas na fazenda Bemposta, quando ainda a Rio-Belo Horizonte não tinha o traçado atual e nos levava a passar pelas suas terras, já pagando pedágio. Hoje seus produtos ganharam o nome Normandia e estão à venda em diversas redes de supermercados.

A cada chegada, aquele alvoroço do reencontro. Malas e sacolas inicialmente largadas ao chão e à verificação inicial dos cachorros da casa, eram logo levadas para os quartos designados para cada um.

Eu sempre corria primeiro para a cozinha para matar as saudades do lendário fogão à lenha e, que recentemente foi desmontado pela chegada do progresso e do pessoal do IBAMA. Depois é que iria cuidar de me acomodar.

Naquela semana estava programada a festa de são joão. E isto demandou preparativos em todas as casas dos envolvidos. Já não havia mais casamento à caipira. Mas tinha sanfoneiro já acertado pra tocar até o sol raiá.

Nos preparamos. Preparamos comidas da época: canjica, bolo de milho, bolo de mandioca, arroz doce, cocada, pé-de-moleque e até galinha assada (lá faziam rifa para ajudar na manutenção da igreja).

Na hora da festa era engraçado (agora percebo) ver os “da cidade” dançar com os “da roça”. Sempre que os casais se misturavam era motivo de grandes gargalhadas entre os dois grupos. Mas, no fundo, o que mais se queria ali era brincar, divertir-se, levantar poeira do chão.

Durante o dia os telhados da redondeza deixavam escapulir uma fumacinha branca o tempo quase todo. Muitos litros de leite produziam doce de leite, ambrosia e canjica. Noutra boca, frutas eram misturadas com açúcar cristal para outros. No forno, tomavam forma os bolos de váris sabores. E o perfume que se espalhava? Inebriante!

Lá fora era um tal de pegar varas de bambus para a ornamentação o que aumentava o borburinho e confusão. As crianças, nas salas da escolinha colavam bandeirinhas de papel fino em barbantes para fazer o colorido do arraiá.

As outras mulheres, que já chegavam para arrumar as coisas traziam toalhas brancas bem passadas e de um branco quase puro não fossem todas as sujeiras que eles tiveram que se livrar ao longo de suas existências.

A noite vai chegando e é hora de começar a festa: o povo correndo para deixar tudo pronto. Inclusive banhos, roupas limpas e perfumes para encantar parceiros de danças. A “quadrilha” certamente será puxada sem prévio ensaio, mas certamente haverá. À sua moda. Afinal festa de são joão sem quadrilha mais parece festa de santo antônio...

Lá fui eu carregando tabuleiros cobertos de doces e de panos. Outros primos, primas e amigos nossos também pegaram suas “entregas”. Descemos escadas, atravessamos a rua, a linha do trem e descemos até que chegamos à mesa para colocar aquele monte de comidas feitas na casa-sede. Lá já haviam algumas que haviam sido trazidas de outras casas. Deixamos um de nossos tomando conta e voltamos para nos “arrumar”.

A fila do único banheiro não deixava outra alternativa a não ser tomar banho frio num cano de calibre avantajado, que trazia água de um gelado córrego. Lá fui eu, de toalha deitada sobre o pescoço e roupa pendurada nas mãos para o “tancão” como chamávamos. Uma tromba d´água lavou meu corpo logo coberto pela toalha e vestido com a roupa. Um perfume aqui completou a arrumação. Passei no meu quarto e joguei a roupa suada no prego atrás da porta e lá fui eu pro terreirão.

Mal cheguei já ouvi os primeiros acordes do sanfoneiro ajustando a afinação do fole e o violeiro ajustando a pressão das cordas de aço.

O povo começava a chegar. Uma assuntada aqui, uma espichada de olhos acolá e todos tomavam pé da situação, verificavam as comilanças e as poucas garrafas de refrigerantes. Mas meus olhos enxergaram umas garrafas com um líquido branco, leitoso que fiquei sabendo ser leite... de onça!



F A C I L I D A D E S

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3 comentários:

Pedro Botelho disse...

Carlim...

quinta chego a Fortaleza ..então já viu ...melhor São joão não tem ...é no Nordeste...rsrs

abraços

Pedro

Shirley disse...

Viajo nos teus textos, carlos, sempre muito descritivos e ricos de imagens. Dá pra ver pq vc se enfiou neste negócio de gastronomia. As memórias nutritivas da infância te inspiram..rs Bjs e Viva Santo Antônio que foi ontem!

véra disse...

essa eu perdí!!!!