domingo, 19 de julho de 2009

Máquina de remoer


Em princípio poderia ser um erro de escrita. Mas não o é. É apenas uma forma de rever momentos vividos. Momentos considerados importantes na vida. Não apenas pelos momentos em si mas por todas as coisas que aconteceram em decorrência.

Caroline tinha apenas um ano e dois meses, se tanto. Um velho Fiat abarrotado de coisas de criança e mais as tralhas normais para um acampamento. Pode parecer meio louco isto mas o acampamento era em lugar adequado. Ali, aquela área, ainda faz parte do outrora charmoso e concorrido Camping Clube do Brasil. A cidade? Paraty (eu prefiro assim às duas outras grafias que o povo usa: Paratii e Parati). Muito mais por representar a fase da Monarquia apesar de gostar muito do povo indígena que a chama de Paratii. Os modernosos a chamam de Parati.

Naquela época não havia esse alvoroço todo em volta da cidade. As coisas ali eram mais singelas e puras e nos deixava mais à vontade para que eu pudesse passar todo o tempo de minhas férias trabalhistas de calção de banho. Apenas e tão somente um calção de banho sobre a pele mais para dourada do que para o branco do resto do ano.

Era quase sempre janeiro ou fevereiro. Eu preferia fevereiro mas nem sempre os chefes assim permitiam.

Carro na estrada, invariavelmente era parado no posto da patrulha rodoviária que existe em Praia Grande. Ou existia. O bagageiro no limite de altura permitido pela legislação e lá dentro, no banco traseiro, dona Ilma cuidava de manter acomodada a pequena Carol. Eu, na direção tinha a companhia de algumas coisas no assoalho do “carona”.

Havíamos, ao longo dos tempos, estabelecido uma “escala” no condomínio do Frade. Ali, o xixi amigo, as esticadas de pernas, a troca de fraldas e um pequeno lanchinho desses de beira de estrada: ora um sandubinha ora um salgadinho quase sempre acompanhado de um refrigerante.

Descanso feito, novamente a estrada até a chegada.

Como já éramos conhecidos, tínhamos a possibilidade de desmontar e montar tudo que fosse necessário. A barraca de quarto, sala e varandinha coberta já era nossa “casa de praia” de todos os verões. Escolhido o lugar, era hora de montar a casa. Ferros de estrutura e lona de cobertura. E, depois de um aprendizado, um sobreteto de plástico servia de proteção extra para o caso de uma chuvarada que às vezes acontecia.

A estas alturas Carolzinha já era a rainha do pedaço: Sempre tinha alguém dos costumeiros campistas que acudiam neste momento pois ela não ficava quieta para que eu e a mãe cuidássemos da casa.

Bem, casa pronta e tudo acomodado, era hora de um bom banho na praia em frente para aplacar o suor do verão e do esforço dispendido.

No primeiro dia quase sempre aproveitávamos o restante da tarde para um “reconhecimento” do local apesar de toda a intimidade que tínhamos com a pequena cidade. Também era hora de nos abastecer de água mineral e gelo. E, se necessário o gás que serviria para aquecer as bundinhas de nossas panelas e a luz de nossas noites. Nos primeiros anos ainda não existia luz elétrica na área de acampamento. Sorte quando poderíamos montar nossa casa próximo a um dos poucos postes de luz das três ruas que faziam os limites da área.

Nas manhãs seguintes, quase uma rotina: ao levantar, era hora de ir buscar o pão quentinho e bem feito que tinha numa padaria bem antiga (vinha de pai para filho já um bom tempo) no que se denominou casario do centro histórico. Lá ia eu apenas de calção e descalço pisando nos pés de moleque que forram as ruas até hoje. Ruas inclinadas para o centro para que a água das marés cheias possam lavar elas após virarem marés vazantes.

Café coado e tomado, era hora de ir buscar o peixe do dia. Sempre, por volta das 10 da manhã chegavam os pescadores. Linguados, Paratis, Badejo, Robalo e Cação fresquinhos, alguns deles ainda se debatendo contra a morte iminente. Colocado num saco lá ia eu com eles para um cantinho que havia uma bancada, uma torneira de água e um latão de lixo onde depositávamos as vísceras e as escamas. Ali, calmamente limpava meu peixinho ou meus camarões. Todos limpos, voltava para minha casinha de verão. Arrumava-os em sacos plásticos separando as porções do almoço e da janta na “geladeira” (é, era geladeira mesmo porque o gelo era quem mantinha as coisas frias de maneira mais adequada possível.

Um pequeno duas bocas já estava ligado à uma pequena botija de gás sobre uma mesinha própria. O tempo nos ensinou a “montar” as tralhas de forma a ter tudo em ordem como permitir um fácil desmonte e guarda até a próxima viagem.

Não haviam excentricidades. A comida era trivial, caseira e simples pois os utensílios possíveis não nos permitia alçar voos mais sutis. Mas sempre havia frigideira, caçarolas necessárias ao arroz nosso de cada dia e uma pequena panela de pressão para o feijão amigo. Também era necessário, nos primeiros tempos preparar as papinhas da Carol apesar das ajudas importantes e providenciais da Nestlé.

Assim um peixinho frito no fubá ou ensopadinho com tomates e cebolas não em brunoise como agora sei fazer, mas gostoso como comia na casa de Dona Diva durante todos os meus anos de solteiro. E até hoje, pois ela adora um peixinho frito.

Era uma loucura fazermos fritura numa casa de pano. Mas fazíamos. Cuidávamos sempre de fechar a parte social da casa e cozinhávamos na varandinha coberta.

Sentávamos ao ar livre para comermos nossa comidinha. Tudo arrumadinho, com direito a saladinha de folhas verdes e vermelhos tomates regados ao azeite que sempre pudemos ter.

Depois, colocávamos tudo que era para lavar em uma bacia plástica e o escalado do dia ia para a área de lavagem de louças carregando também a esponja, o bombril e o detergente. Panelas brilhosas e o resto limpinho era hora de secar e guardar para a próxima refeição. E isto se repetia, alternando os componentes por todos os dias das férias.

De manhã, Ilma levava a Carol para um banho de praia. De tardinha, quando o sol já ia pra cama era minha vez de levá-la para passear na areia da praia.

E assim fizemos por mais de vinte dos anos de nossa vida até que Paraty virou “cidade grande”, cheia de eventos internacionais e ela se transformou. Nossas vidas também...


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F A C I L I D A D E S

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8 comentários:

Pedro Botelho disse...

Carlinhos,
Ô mundo pequeno,
cheguei no Brasil em 77/78 e passei varios verões em Trindade na divisa do Rio /Sampa ,antigamente lugar para poucos e loucos ...kk
sempre ia a Paraty na ida e na volta e me lembro dos campings...
coincidencias né,

abraços
Pedro
es

*-._.-* Anita *-._.-* disse...

Passando par desejar um bom findi!

bjssssssssssssss

*-._.-* Anita *-._.-* disse...

Obrigada pela visita e por comentar... seja sempre bem vindo!

PS>: Mas viu só como valeu a pena o sustinho da praga...hehehehehe

bjsssssssssssssss

Shirley disse...

Memórias gastronômicas... Fiquei com vontade de experimentar o bom peixinho frito na beira da praia... Ainda não conheci Parati. Mas quando for, lembrarei de vc. Bj grande.

Li disse...

Carlinhosssssss!!!!!!!!
A Inha minha Mãe leu teu "remoedor", fiz questão, e deu certo!!!!!! Ela voltou - ou melhor! voltamos juntas!!!- lá pros idos de 60, qdo acampávamos todos em Rio das Ostras.......
Foi uma sessão de memories muito boa!!!!!!
Obrigada, meu Amigo!!!!!!!!
Beijas!!!!!!

Fatima Dias disse...

Oi Carlos
Ah!!! Estou suspirando, que texto lindo, que memórias maravilhosas..deu até vontade de conhecer Paraty ou Parati?? e comer um peixinho frito na beira da praia.
Obrigada por enriquecer a manhã com textos tão profundos.
Um grande beijo n seu coração.

carlinhos de lima disse...

Obrigado a todos pela presença por aqui.

Ainda colocarei por aqui algumas das minhas histórias vividas. Ou sonhadas...

Lidiane disse...

Deu até vontade de acampar em Paraty depois desse texto! E eu aqui no frio e chuva de Curitiba rsrs...