sábado, 8 de agosto de 2009

Cozinhando um português


Eis que tive essa vontade... Estava voltando de uma reunião com uma das nutricionistas que tentam fazer com que eu modifique alguns índices de minha saúde. A preocupação maior dessa é com a linha da cintura. Toda vez que nos encontramos lá vem ela me abraçar. Mas não por motivos lúdicos e sim motivos profissionais... Numa de suas mãos esconde-se uma pequena trena que ao me abraçar ela aproveita para passá-la por baixo de minha camiseta e num sorriso pra lá de sádico repete: da outra vez verifiquei pela altura do umbigo... e eu, sem graça, espero o veredicto "precisa reduzir!".

Não vou mudar as orientações que já conversamos mas vou insistir em dois pontos que acho que você deveria focar a alimentação: não deixar acontecer intervalos maiores que três horas entre as refeições e tomar sopa três vezes por semana! Será que o número três é cabalístico???

Mas, caminhando meio cabisbaixo para casa fiquei imaginando tomar uma sopa: legumes em pedaços e uma água colorida. Pouca gordura, nada de carne... Enfim isto acabou me levando à minha infância na casa de vô Chico e vó Georgina.

Lá no Campo da Botija (não sei porque aquele lugar se chamava deste jeito. Mas deve ser coisa de mãe. Afinal existem mães que colocam cada nome em seus filhos que só serve para eles virarem chacota dos outros) quando íamos nos finais de semana do inverno meu bigodudo vô – como os bons portugueses de outrora – adorava um belo prato de sopa.

Pela manhã cedo minha vó ia até a mercearia, ou era uma quitandinha que naquela época se chamava vendinha? Não faz mal. Acho que vocês podem entender como o lugar onde ela comprava legumes e verduras fresquinhos, colhidos ainda com as lágrimas da madrugada agarrada em seus corpos.

Pesava porções de batatas (daquelas que ainda traziam a terra de onde elas saíram, cenouras de um tamanho razoável – não essas espadas de hoje em dia -, nabos e feijão branco. Ainda mandava pesar: orelha de porco, chouriço, toucinho de fumeiro e um paio que dormia numa lata de gordura. (Bem me lembro desta visão...). Depois de anotado no caderno (para pagamento ao final do mês) ela passava no açougue para pegar um bom pedaço de carne de vaca (nem sabia que carne era mas hoje posso imaginar que fosse peito bovino). Na volta, depois de deixado tudo isso na beira da pia da cozinha ou sobre a mesa de refeições que existia ali mesmo, ia até a horta viçosa e recolhia umas folhas de couve e alguns talos de hortelã que diariamente eram banhados em águas de um poço artesiano que o Joaquim um um dia fez como as mulheres da novela das oito agora querem fazer (mas sem a pedra amarrada no pescoço). Mas isto é assunto para outra conversa.

O feijão era logo colocado de molho em bastante água. Depois, numa panelona ela colocava água e levava ao fogo para ferver. Assim que ela começava a borbulhar, as carnes salgadas, inteiras eram submersas nesta água.

Quando as carnes estavam quase cozidas, ela colocava na panela os enchidos que previamente foram furados com um garfo, para não rebentarem. Logo que tudo estivesse cozido, retirava as carnes e os enchidos, cobria-os com um pouco de caldo, para não esfriarem e mantinha-os cobertos por uma das tampas de suas panelas.

Numa panela preparava uma boa porção de arroz branquinho e soltinho como hoje procuramos fazer.

Na caçarola onde havia cozido as carnes, colocava os legumes pelados e cortados em pedaços não muito pequenos. Com a água do cozimento das carnes, cozinhava os legumes. Depois as folhas, rasgadas e não cortadas com faca eram mergulhadas ali.

Tudo pronto, ela pegava uma enorme travessa de louça já amarelada pelo tempo de vida e colocava ali: de um lado as carnes e de outro os legumes e hortaliças. Com uma conha colocava o mais de caldo que pudesse estar ali, soltando a fumaça que nos deixava apreensivos para não queimar a boca.

Meu vô cumpria a rotina de rasgar pedaços de um pão francês (ou português) que até hoje permanecem no meu registro mental: casca dura e estaladiça de um dourado quase marrom e de um miolo de um branco de fazer inveja às roupas lavadas com OMO.

Outra travessa mantinha um generoso morrinho de arroz branquíssimo.

Era uma farra só. Eu posso, agora, relembrar o escondido sorriso dela ao ver a gente na maior algazarra. Eu e Véra quase debruçados sobre a mesa, por cima de nossos pratos, querendo alcançar com nossos bracinhos os pedaços de pão cortados pelo vô Chico.

Ela brigava fazendo com que nós sentássemos nas cadeiras. Colocava em nossos pratos um pouquinho de cada uma daquelas coisas que estavam ali. Sobre os legumes o caldo fumegante...

Pegávamos o pão e molhávamos no caldo. Ficávamos chupando aquele caldinho misturado com o miolo do pão e que ia amolecendo a dura casca... Era uma enorme farra aquelas noites. Enquanto fazíamos isto, ela servia nosso vê e cortava as carnes de nossos pratos. Só depois disso é que ela preparava o seu prato e sentava-se para juntos saboreássemos aquela maravilhosa janta.

Mas hoje, não poderia repetir essa refeição. Não há mais aquela horta, nem o poço, nem a vendinha nem o açougue. A padaria também já morreu. Até o Campo da Botija já virou Cavalcante...

Meus padrinhos Chico e Georgina, que muito me ensinaram na vida já estão em outro mundo...





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5 comentários:

véra disse...

adorei os bracinhos, que com certeza, depois deste saboroso e nutritivo prato, viraram fortes bracinhos!!

Fatima Menezes disse...

Que maldade com as minhas amigas nutricionistas!! Parece abraço de amigo urso!! Você só me faz pensar em como pode se afastar a nutrição, a ciência, a preocupação com a doença da comida, da vida, da saúde, do prazer... Como podemos aproximar essas duas áreas que estão tão intimamente ligadas?
Estou com muitas saudades!
Beijos,
Fátima Menezes

carlinhos de lima disse...

Fátima, não entendi... Estou seguindo as orientações...

Eu apenas usei as lembranças que tive na volta pra casa.

Só que, como já conversamos existem profissionais e profissionais em TODAS as profissões.

Alguns, não me cabe avaliar os motivos, têm menos "jogo de cintura" para seguirem em frente e terem sucesso.

Acontece que acho que a obesidade - neste caso - não se resume a apenas ditar uma listas de "pode/não pode" e medir cintura... Continuo achando que "investigar" o porque os resultados não acontecem me parece ser um caminho adequado para se chegar ao problema.

Podem até ser pequenos problemas, fáceis de serem resolvidos mas se não houver investigação...

Mas, estarei pronto para voltarmos a este tópico na volta às aulas, concordas?

Fatima Menezes disse...

Concordo com vc plenamente... sei que está seguindo as orientações, que a ciência não explica tudo o que acontece e, muitas vezes, exclui, proibe, afasta e traz mais doença do que saúde. Suas lembranças, essas sim, trazem muita saúde! Para você e para quem pode compartilhar de uma leitura tão prazerosa. Beijos

!!!§ÞëëÐ-ßø¥!!! disse...

Parabéns pelo blog...
assim q der um tempinho faça uma visita em

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lá vc irá encontrar deliciosas receitas, não deixe de participar, de sua sugestão, critica...