domingo, 27 de setembro de 2009

Cosme e Damião


Ainda menino, me lembro bem dos dias em que morava em Madureira – subúrbio do Rio. Morava em casa (que saudades desse tempo).

Ali perto existia uma fábrica de balas e doces. Lá trabalhava (nunca soube em que função – como se isto fosse importante para mim) um homem muito alto. Nós crianças o chamávamos de “gigante” tal a diferença de altura.

Todos os dias, ao encerrar o expediente ele passava com um saco de balas distribuindo para todas as crianças que encontrava pelo caminho. Nós ficávamos no muro de nossa casa, sobre um banco que nos permitia ver a rua em segurança e à sobra de um pé de manga “carlotinha”. Ele passava ali e nos oferecia as balas mais gostosas que experimentei por toda a minha vida. Até hoje guardo o sabor de uma bala de mel que era toda listradinha, qual um pequeno travesseiro. Ao mordermos, mel puro derramava em nossas bocas. Que saudades...

Mas também lembro do barraco em quem morava Dona Zizinha, uma africana pequenininha a quem nossa mãe procurava para rezar de nossos males de antigamente: espinhela caída, mal olhado e algumas outras que meus neurônios insistem em manter apagadas de minha memória. Sabe-se lá porque.

Ela tinha uma coleção de santos em um canto de sua casa e pegava um galhinho de arruda para nos benzer. Quase sempre numa “língua” que a gente não entendia, ela sentadinha numa cadeira nos tocava lentamente com aquele galho e nos benzia. Não sabia por que motivos mas nossa mãe, que a tudo assistia, sabia que “dava resultado”.

Naquela casa humilde ela fazia diferente nos dias de “cosme e Damião”: ela montava uma farta mesa de doces e bolos. Parecia uma festa de aniversário de criança. Tinha até bolas de encher e guaraná champagne antarctica (que infelizmente a AMBEV mudou a fórmula e agora é muito ruim).

Eram crianças selecionadas por ela (provavelmente aquelas todas que ela “curava” com suas rezas na língua estranha.

Ali, em volta da mesa, aquelas cabecinhas que muitas só permitia que seus olhos e cucuruto aparecessem sobre ela estavam apenas à espera da ordem de poder pegar aquelas guloseimas todas.

Hoje, relembrando estas épocas consigo ver nossos olhinhos brilhando a cada doce que pegávamos e colocávamos ora em nossas bocas ora num copinho de papel encerado (naquela época os descartáveis eram assim). Era preciso garantir uma boa quantidade de cajuzinhos, brigadeiros, brevidades, beijinhos, sem contar que o enorme bolo que ficava no centro da mesa era fatiado e distribuído a cada um de nós num pratinho de papelão, todo enfeitado com as imagens de Cosme e Damião. Nisso tínhamos privilégios: adultos não podiam comer dos doces. É claro que em casa, dona Diva e seu Florico também comiam...

Era uma tarde alegre que passávamos. Depois dos doces ainda ficávamos no terreno que guardava uma grama meio fuleira, mas que pintava de verde o marrom da terra que insistia em pintar todo o caminho. A gurizada fazia a maior lambança. Sempre correndo e gritando com a boca cheia de doces.

Mais tarde, já adulto, tentei fazer desta distribuição de doces uma “festa”. Já morando em Jacarepaguá, na casa onde ainda mora minha mãe e minha irmã Maria de Fátima, organizamos a distribuição de doces em saquinhos. Passamos a manhã colocando, numa linha de montagem improvisada os docinhos escolhidos. É claro que alguns deles não poderiam faltar: lingua de sogra (comprida, mole e áspera), bananada (com celofane ou com palitinho num formato triangular), doce de abóbora (daqueles de casquinha dura e miolo molinho), doce de batata doce, roxa (do mesmo jeito), balas (sempre!), cocô-de-rato-vai-levando (flocos de arroz), pé de moleque, passoquinha e gelatina (dura e com açúcar cristal e em duas cores). Tudo pronto, começamos a olhar a quantidade de crianças que passavam pela rua. Escolhemos o momento de começar a nossa distribuição. Caramba, foi só entregar o primeiro saco e o menino logo saiu gritando “aqui tá dando” para logo a rua se encher de crianças correndo e mulheres gordas carregando pequenas crianças em seus fartos colos.

Uma enorme confusão se formou na frente de nossa casa que até crianças pularam o muro e entraram no pequeno jardim que havia ali na frente. Corremos de volta para dentro da casa e nos abrigamos da turba enlouquecida atrás dos doces como se fosse o último prato de comida disponível no mundo.

Desde esse dia, tomo apenas cuidado em dirigir nestes dias porque as crianças correm em direção aos doces sem noção do perigo que representa atravessar uma rua...

Mas que no fundo, no fundo, é gostoso de ver. Lembro do meu tempo de criança. Tempo que foi bom enquanto durou.

E você? Também “corria” em busca de saquinhos de doces? Ainda mantém essa tradição?



F A C I L I D A D E S

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11 comentários:

Pedro Botelho disse...

Carlinhos ,

bonito texto ...aliás tenho percebido que o senhor anda meio sentimental por estes tempos
abraços
Pedro Rui

Anônimo disse...

Hoje fui na Praça Afonso Pena e relembrei também meu tempo de criança, uma correria para juntar o máximo possível de doce.

Não corro mais, mas adoro comer os docinhos, meus preferidos: paçoca, suspiro e doce de leite.

Muitos beijos !!



Sonia

Fatima Dias disse...

Me lembro perfeitamente, como se fosse hoje, meus irmãos passavam o dia inteiro na rua (não vinham nem para o almoço) com aquela saquela enorme de papel da Casas Sendas, pegando doce.
Quando chegavam em casa enchiam bacias e mais bacias de doces, comíamos o mês inteiro, ah que saudade....
Beijos

Anônimo disse...

Ai! Carlinhos.. seus textos sempre me fazem recordar da minha infancia...
Como era divertido.. eu lembro muito bem.. Minha maezinha sempre fazia esta mesa cheia de doces e as criancinhas com seus guaranas e docinhos e principalmente o sorriso naquels rostinhos tao inocente...
Um beijao amigo...
Elaine Cristina.

Gourmandisebrasil disse...

rsrs...ontem ganhei algumas cocadinhas de uma vizinha da minha sogra. Tinha um monte de crianças na frente da casa dela.
Será que ela achou que eu era uma criança grande?

Carlos Alberto de Lima disse...

Mas você tem dúvidas que é, Nina?

Unknown disse...

Bons tempos em que D.Zizinha, com um galhinho de arruda e sua, curava nossos males!

Unknown disse...

faltou a reza!!!

Carlos Alberto de Lima disse...

Pois é, não é mana. Simples problemas...

Iara disse...

"Tio" Carlinhos!!!
Que jeito delicioso de escrever e descrever!
O dia de Cosme e Damião me fez lembrar do meu paizinho Mário Bichara que nunca nos deixou sem as maria moles e os peitinhos de moça no dia de Cosme e Damião.Você se lembra?
Que saudade dele!!!

Beijosssss

Anônimo disse...

Oi querido, que bom ler tuas memórias. Tb eu fui rezada na benzedeira e peguei doces. Tb eu frequentei a casa da vizinha que fazia festa com bolo e guaraná. Fomos felizes né? E ainda somos, pq Cosme e Damião são pra sempre. Leia o meu post tb sobre isso. Tomara que goste: http://devoltapracasa.wordpress.com/2009/10/05/ali-ta-dando-ali-ta-dando/