segunda-feira, 8 de março de 2010

As mulheres de minha vida: na cozinha


Pra falar disso poderia apenas ficar falando de minha mãe e de minha avó materna. Mas vou aumentar o número dessas mulheres, que de alguma forma contribuíram para o que eu sei hoje, em se tratando de cozinha, principalmente e, outras coisitas mais...

Mas começar mesmo com minha mãe, confeiteira de mão cheia. Por conta disso, e se não bastasse ser filho dela, ainda trago na cabeça, mais precisamente na testa, a marca de meu desassossego enquanto ela trabalhava: apenas 3 pontos...

Minha cabeça não consegue registrar com quantos anos, nem como aconteceu. Mas, reza a lenda, que enquanto ela confeitava eu brincava com a escumadeira em cima da mesa. Daí escorreguei e cai da mesa. Daí, tudo ficou parado até que eu pudesse ser costurado.

Dela eu aprendi a admirar as formas com que ela buscava para contornar as dificuldades que iam aparecendo. Uma delas era “peneirar” o açúcar para fazer o glacê mais delicioso que minha boca já provou. Peneirava-o numa meia dessas que mulher usa, que cobrem a perna toda. Era engraçado eu vê-la fazer aquilo... Hoje existe o açúcar de confeiteiro. Para mim, perdeu a graça...

De minha avó, as comidinhas portugueses ou “à portuguesa” que ela fazia. Afinal, meu vô (já tão falado por aqui) era português. Gostava de comer “tripas” de boi que ela comprava num tripeiro que passava na rua onde eles moravam, carregando suas mercadorias num cavalo. Hoje, comprada nos supermercados ou, eventualmente nas feiras livres, perdeu a graça... Eram tripas cozidas com batatas, azeitonas verdes, cebolas e tomates. E eu e minha irmã Véra fazíamos a maior farra quando lá comíamos essas comidinhas.

O tempo foi passando sem que eu desse muita importância a isto. Mas, quando começou minha vida com minha mulher, companheira de vida, na época de nosso namoro, conheci Maria Gonçalves, para a gente, apenas Mariinha. Fazia questão de tudo fazer para me agradar. Muito mais pelo prazer de fazer do que de qualquer outra coisa. Espírito de muita luz. Sua carne assada com batatas coradas começava a ser feita ainda muito cedo para almoçarmos por volta das 15 horas dos domingos. Quase sempre um lagarto redondo, cozido com a paciência que só os mais abnegados cozinheiro conseguem produzir. Água fervendo saída da chaleira, pingadas aos poucos para fazer com que Maillard pudesse um dia nos explicar como acontece aquilo. E os cozidos? Nem dá para descrevê-los assim, apenas como referência... Já perdeu a graça. Não posso mais comê-los. Apenas saudades dela. Muitas.

O tempo foi passando, impassível como Bruce Lee. Conheci a Andréa Tinoco nos workshops que andei fazendo no Senac Bistrô. Aprendi com ela os primeiros conceitos de uma cozinha de "cozinheiro profissional". Ali naquela cozinha que aprendi a amar, outras mulheres me ensinaram muito: a Joanna Galo e a Tiça me ensinaram os primeiros passos. Depois voltei a conviver com a cozinha da Andrea Tinoco. Estagiei nos restaurantes que ela já teve. Guardo boas lembranças.

Mas tarde, também num desses workshops conheci um amor de professora. Parecia, ao primeiro contato, que convivemos por muitas vidas. A cada coisa que aprendia via uma identidade incrível. Tudo encaixava no que eu gostaria de aprender a fazer. Foi com ela que aprendi a fazer e a comer, uma única vez, foie gras. Inesquecível. As receitas de pato, que antes apenas comia no tucupi, passaram a desfilar pelos meus olhos, mãos e boca. Não consegui, até hoje, parar de me "atualizar" com ela. São receitas simples, mas complexas pois ela vai fundo no conhecimento do alimento. Nada de tecnicidades: apenas o fogo e o tempo. Com ela aprendi que cozinha sem fogo não é cozinha; é laboratório...

Quem é ela? Claro que estou falando da Roberta, uma mulher que tem a glória de ter cozinhado para Reis e Rainhas, Presidentes e tanta gente famosa. Uma gauchinha de olhar profundo e mãos que me encantam pela forma como ela trabalha os alimentos.

Hoje, 3 mulheres gravitam em minha órbita. Delas na cozinha, pouco. Mas delas provando, aprovando ou rejeitando as experiências na cozinha, tudo. Sem elas não teria chegado aos finais que cheguei, não terei sido estimulado suficientemente para buscar novas formas de maturar um queijinho que começou mineirinho. Neste caso, uma "responsabilidade" maior é a vontade da Roberta de prová-lo. Mêda!

Também não dá para esquecer da prof Fátima, nutricionista-professora que dá aula nos cursos da UNATI e suas estagiárias. Aulas teóricas e práticas que muito me ensinaram do cuidado com a alimentação. Obrigado, "tia" por tudo que me ensinaste.

Na casa da mãe continuo querendo apenas ser figurante. Quando muito, assistente... Continuo amando todas as comidinhas que ela tem feito para mim: o seu feijão, inesquecível. O arrozinho branco, soltinho feito em uma panelinha de barro. O peixinho frito ou de forno, coberto no sal grosso. E todas as outras coisas, doces ou salgadas. Aliás, não seria coisa alguma se não tivesse morado na barriga dela aquele tempo todo.

Compartilhe este texto: bacalhaucombatata | Fazer logon no Twitter e compartilhar este texto.



F A C I L I D A D E S

+ Acompanhe este blog pelo twitter.

+ Receba aviso sobre novos textos em seu email. Cadastre-se!

+ Antes de imprimir este texto, pense na sua responsabilidade com o meio ambiente: click aqui!



Publicidade

Click para escolher e comprar seus livros na Livraria Cultura!

10 comentários:

Ana de Bruxelas disse...

amor puro e sem conservantes!!!
Voce é um luxo Mestre Carlinhos!!!
Bisous,

Anonymous disse...

adorei.... bjocas, Ira

Fatima Menezes disse...

Amei a homenagem!!! Foi uma honra ter sido sua "tia", ter te conhecido, nossas conversas depois da aula, risos, muito aprendizado... mas mais do que aprendizado a lembrança e a saudade é do carinho, respeito e amizade que construímos. Obrigada!! Beijos

Mônica disse...

Muito lindo, seu texto. Como já disse, vc tem o dom com as palavras!
Consegue descrever de uma forma única e magistral os momentos de sua vida.
Quero lhe agradecer pela a citação e por ter tornado, juntamente com a professora Fátima e os demais alunos, meu estágio na UNATI uma experiência ÚNICA!
Obrigada e mais uma vez parabéns!
Beijos

Ana Powell disse...

Parabéns pelo post, uma história bem relatada.
Excelente x

Receitas e Cia disse...

Isoo sim é uma verdadeira Lenda "Um Ode" as mulheres que merecem sempre, parabéns.

Anonymous disse...

adorei participar como figurante nessa homenagem!!!hehehe

véra disse...

não sou anônima, sou a Véra que saboreava as delícias junto com vc!!!

Li disse...

E vamos cozinhando!!!!!!
Homem, mulher, cobra ou jacaré, pouca importa se houver amor, né?
Beijas!!!!

Fabiana disse...

Puxa fico muito feliz em saber que não passei desapercebido em sua vida!!!!!!
Adorei dár aulas com a Fátima aos alunos da UnATI!!!!
Saiba que vcs marcaram muito a minha vida...
Mil beijos