domingo, 16 de maio de 2010

A comida que a minha avó fazia


Lá bem longe daqui, mas ainda no Rio, morava o senhor Francisco Pinto. Português de Trás-os-Montes, veio ainda me­nino para o Brasil. Chegou para ficar na casa dos primos que antes vieram para cá.

O tempo foi andando, ora devagar, ora mais apressado, até que ele pode comprar um pedaço de terra lá para os lados de Cavalcante. Ali, chamado de Campo da Botija – não me perguntem porque pois ele nunca me disse – ele montou uma olaria. O que fazia? Tijolos.

Mas o tempo passou. Ele casou com dona Georgina. Deste casamento floresceram a Diva, a Dalva e o Durval. Ali, en­tre barros e tijolos eles cresceram até que um dia não mais era possível retirar o barro para o fabrico dos tijolos.

Mas a humilde casa onde ele morava ali permanecia sólida como os pés dele fincados neste país que o acolheu.

Quando eu o conheci, ainda menino, a visão que meus olhos alcançavam era de um enorme valão por onde escoava o esgoto das casas que existiam no que era a “rua” onde ele morava. Meu pai parava o carro na direção de uma “pin­guela” por onde tínhamos que nos equilibrar para chegar ao portão da casa. Era farra pura.

Dali ao portão, era pouca coisa. Talvez, se bem me lembro, uns três, talvez quatro passos. Mas do portão até a porta da casa, uma bela corrida nos fazia chegar primeiro que meu pai e minhã mãe. Ela, a Diva, a primeira dele, Francisco.

Uma corrida que apenas acabava nos braços de minha vó Georgina e depois nos do vô Chico. Era uma promessa de dia maravilhoso.

Entre o portão e a casa, uma horta: será que ainda lembro de tudo? Couves perfiladas pelo canteiro. Pés crescidos e apenas as folhas do topo permaneciam: as demais já haviam virado alguma comidinha gostosa pelas mãos dela.

Tinha figo desses hoje conhecidos como “de Valinhos”. Tinha limão Cravo, conhecido naquela época por “galego”: sua polpa cor de tangerina enebriava a carne do frango e dos porquinhos que viravam comida da gente. Os porquinhos que eram mortos pelas mãos precisas do vô, ficavam na “vinha d'alhos por um bom tempo. Acho que de um dia para o ou­tro. Volta e meia ela mexia, revirava espetava a carninha deles para ficarem mais maravilhosas com os simples tempe­ros: sal, alho, folhas de louro e grãos pretos de pimenta do Reino.

Depois, retirado do alguidar (de barro) onde dormira o tempo todo, iria para o forno assar até ficar crocante por fora e tão macio por dentro que o comíamos de colher. Batatas, sempre batatas completavam. Essas compradas, o resto, colhidos ali mesmo no quintal.

Outra faceta desta vida era a nossa ao querer pegar uma galinha (ou seria frango) para ser preparado pela vó. Cedo, na hora de dar milho à eles, ela nos ensinava: primeiro o purupupu que era o som que fazíamos para chamar as galinhas. Vinham correndo ávidas pelos grãos de milho que se espalhavam pelo quintal próximos aos nossos pés. Atá algumas bicadas levávamos e, por conta do susto, pulávamos e gritávamos, causando um enorme alvoroço entre as aves. Ali, em pé, era preciso se abaixar lentamente como se quiséssemos enganá-las e vapt, pegar suas pernas com nossas pequenas mãos. Logo vó Georgina nos acudia pois ainda não tínhamos força suficiente – nem a malícia esperada – para mantê-las firme. Assim, ficava mais fácil do que simplesmente escolher uma e sair correndo atrás dela.

Depois de pega era a hora mais difícil pra gente: vê-la morrer diante de um golpe certeiro em seu pescoço. O sangue colhido serviria pra fazer o “molho pardo”. Depois de morta, um banho de água quente se incumbiria de abrir os poros e facilitar a retirada das penas. Feia e pelada, era hora de cortá-la, sempre pelas juntas e assim, depois de retirada das vísceras (ela separava o coração, a moela e o fígado) estava pronta para os temperos.

Aqui reinavam na cozinha as folhas de louro colhidas na horta juntamente com a salsinha e a cebolinha. Juntavam-se à elas a cebola picadinha na mão e o alho socado com sal. Depois de lavados cada pedaço, eram todos colocados no alguidar e devidamente untados com óleo de Milho (era o que estava na moda naquela época) e dos temperos. Ficavam ali umas duas, três horas, sei lá...

No sangue já havia sido colocado o vinagre para evitar que talhasse. Assim ele iria pra panela. Engrossaria e formaria o denso molho de cor parda que cobria as batatas cortadas em 4 e os pedaços de frango. Quando postos na travessa que iria pra mesa, ela ainda salpicava salsa e cebolinha picadas. Lindo de ver e gostoso de comer. Confortável para nosso corpo e divina para nossas almas.

E assim meus avós viveram naquele tempo e me mostraram o cuidado com a terra, com os alimentos e com os animais. Que era possível plantar e comer, criar e comer.




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A comida que a minha avó fazia


Lá bem longe daqui, mas ainda no Rio, morava o senhor Francisco Pinto. Português de Trás-os-Montes, veio ainda me­nino para o Brasil. Chegou para ficar na casa dos primos que antes vieram para cá.

O tempo foi andando, ora devagar, ora mais apressado, até que ele pode comprar um pedaço de terra lá para os lados de Cavalcante. Ali, chamado de Campo da Botija – não me perguntem porque pois ele nunca me disse – ele montou uma olaria. O que fazia? Tijolos.

Mas o tempo passou. Ele casou com dona Georgina. Deste casamento floresceram a Diva, a Dalva e o Durval. Ali, en­tre barros e tijolos eles cresceram até que um dia não mais era possível retirar o barro para o fabrico dos tijolos.

Mas a humilde casa onde ele morava ali permanecia sólida como os pés dele fincados neste país que o acolheu.

Quando eu o conheci, ainda menino, a visão que meus olhos alcançavam era de um enorme valão por onde escoava o esgoto das casas que existiam no que era a “rua” onde ele morava. Meu pai parava o carro na direção de uma “pin­guela” por onde tínhamos que nos equilibrar para chegar ao portão da casa. Era farra pura.

Dali ao portão, era pouca coisa. Talvez, se bem me lembro, uns três, talvez quatro passos. Mas do portão até a porta da casa, uma bela corrida nos fazia chegar primeiro que meu pai e minhã mãe. Ela, a Diva, a primeira dele, Francisco.

Uma corrida que apenas acabava nos braços de minha vó Georgina e depois nos do vô Chico. Era uma promessa de dia maravilhoso.

Entre o portão e a casa, uma horta: será que ainda lembro de tudo? Couves perfiladas pelo canteiro. Pés crescidos e apenas as folhas do topo permaneciam: as demais já haviam virado alguma comidinha gostosa pelas mãos dela.

Tinha figo desses hoje conhecidos como “de Valinhos”. Tinha limão Cravo, conhecido naquela época por “galego”: sua polpa cor de tangerina enebriava a carne do frango e dos porquinhos que viravam comida da gente. Os porquinhos que eram mortos pelas mãos precisas do vô, ficavam na “vinha d'alhos por um bom tempo. Acho que de um dia para o ou­tro. Volta e meia ela mexia, revirava espetava a carninha deles para ficarem mais maravilhosas com os simples tempe­ros: sal, alho, folhas de louro e grãos pretos de pimenta do Reino.

Depois, retirado do alguidar (de barro) onde dormira o tempo todo, iria para o forno assar até ficar crocante por fora e tão macio por dentro que o comíamos de colher. Batatas, sempre batatas completavam. Essas compradas, o resto, colhidos ali mesmo no quintal.

Outra faceta desta vida era a nossa ao querer pegar uma galinha (ou seria frango) para ser preparado pela vó. Cedo, na hora de dar milho à eles, ela nos ensinava: primeiro o purupupu que era o som que fazíamos para chamar as galinhas. Vinham correndo ávidas pelos grãos de milho que se espalhavam pelo quintal próximos aos nossos pés. Atá algumas bicadas levávamos e, por conta do susto, pulávamos e gritávamos, causando um enorme alvoroço entre as aves. Ali, em pé, era preciso se abaixar lentamente como se quiséssemos enganá-las e vapt, pegar suas pernas com nossas pequenas mãos. Logo vó Georgina nos acudia pois ainda não tínhamos força suficiente – nem a malícia esperada – para mantê-las firme. Assim, ficava mais fácil do que simplesmente escolher uma e sair correndo atrás dela.

Depois de pega era a hora mais difícil pra gente: vê-la morrer diante de um golpe certeiro em seu pescoço. O sangue colhido serviria pra fazer o “molho pardo”. Depois de morta, um banho de água quente se incumbiria de abrir os poros e facilitar a retirada das penas. Feia e pelada, era hora de cortá-la, sempre pelas juntas e assim, depois de retirada das vísceras (ela separava o coração, a moela e o fígado) estava pronta para os temperos.

Aqui reinavam na cozinha as folhas de louro colhidas na horta juntamente com a salsinha e a cebolinha. Juntavam-se à elas a cebola picadinha na mão e o alho socado com sal. Depois de lavados cada pedaço, eram todos colocados no alguidar e devidamente untados com óleo de Milho (era o que estava na moda naquela época) e dos temperos. Ficavam ali umas duas, três horas, sei lá...

No sangue já havia sido colocado o vinagre para evitar que talhasse. Assim ele iria pra panela. Engrossaria e formaria o denso molho de cor parda que cobria as batatas cortadas em 4 e os pedaços de frango. Quando postos na travessa que iria pra mesa, ela ainda salpicava salsa e cebolinha picadas. Lindo de ver e gostoso de comer. Confortável para nosso corpo e divina para nossas almas.

E assim meus avós viveram naquele tempo e me mostraram o cuidado com a terra, com os alimentos e com os animais. Que era possível plantar e comer, criar e comer.




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domingo, 9 de maio de 2010

Comida de mãe. Ou para a mãe?


Hoje eu acordei cedo. Parece que é a primeira vez que faço isto. Mas não. Desde muito tempo esse dia, apesar dos apelos comerciais que não gosto, procuro dar um pouco do meu tempo pra ela.

Desde muito pequeno – ainda me lembro de algumas coisas – hoje, relembro do carinho que ela sempre me dedicou. Ainda nos tempos da primária escola, num lugar chamado Dona Clara, ali espremidinho entre Madureira e o Largo do Campinho (que hoje é apenas um cruzamento), eu ia à pé todas as manhãs. Caminhada pelas ruas Maria José, Alaíde, Capitão Couto Menezes, Praça do Patriarca e, finalmente a rua Agostinho Barbalho, onde na esquina da travessa Carlos Xavier ficava meu encanto daquelas épocas.

Uma escola simples. Básica mesmo. E por isto mesmo nos dava o básico que nem hoje mais dão nas escolas municipais. Era homenagem ao Cardeal Arcoverde. Lá aprendi, entre outras coisas o respeito à Bandeira Brasileira. Fui porta-bandeira naqueles anos: de manhã tinha a incumbência, juntamente com dois colegas, de hasteá-la enquanto os demais estavam perfilados no páteo interno entoando o Hino Nacional. Lembrança viva do amor à Pátria.

Dessa época me lembro das épocas das frutas maduras no pé. Logo na entrada que a gente usava tinha um pé de manga carlotinha. Era chegar da escola e subir no pé para comer, sentadinho nos galhos dela. Nem tirava o uniforme de calça-curta azul marinho e blusa branca. Claro que quando resolvia descer, já com a barriguinha estufada de tanta manga e já sem fome, a blusa estava cheia de “veias” amarelas.

Quase sempre um esporro monumental, broncas sérias e “castigo”. Acabava privado de alguma coisa que depois das manguinhas já nem tinham mais tanta importância.

Depois de tirar a roupa e tomar um banho era hora de sentar à mesa e comer uma comidinha de mãe. Sempre gostosa. Sempre reconfortante: simples no modo de fazer e complexa de sabores dos próprios alimentos. Até hoje seu feijão é imbatível.

Depois vinha a época das uvas, das carambolas, das goiabas, dos abacates... sem falar nos ovos de galinhas criadas ali mesmo num galinheiro no fundo do quintal. Sem esquecer de nossa primeira chocadeira elétrica: uma caixa de sapatos e a lâmpada de um quarto que tínhamos no quintal. Ali os ovos eram colocados até que os pintinhos começassem a bicar a casca para sair. Sempre com a ajuda da Maria Baiana nossos dedinhos de criança ajudavam eles. Ainda os deixávamos na caixa para que a luz aquecesse suas pequenas penas e eles pudessem ficar bonitinhos.

Hoje cedo todas essas coisas me vieram à cabeça. Também acordei pensando na música que cantávamos na escola e em casa no Dia das Mães, composta por David Nasser e Herivelto Martins:

Ela é a dona de tudo
Ela é a rainha do lar
Ela vale mais para mim
Que o céu, que a terra que o mar

Ela é a palavra mais linda
Que um dia o poeta escreveu
Ela é o tesouro que o pobre
Das mãos do senhor recebeu

Mamãe, mamãe, mamãe
Tu és a razão dos meus dias
Tu és feita de amor de esperanças

Ai, ai, ai mamãe
Eu cresci o caminho perdi
Volto a ti e me sinto criança

Mamãe, mamãe, mamãe
Eu te lembro o chinelo na mão
O avental todo sujo de ovo
Se eu pudesse eu queria outra vez mamãe
Começar tudo de novo

Mas hoje era preciso manter as lágrimas escondidas dela. De alguma forma nos combinamos (eu e as irmãs)nos juntarmos lá e fazer um almoço e um lanche pra ela (afinal já disse que na casa da dona Diva todo dia tem lanche da tarde). Juntarmos a irmã que agora vive longe. Tentar viver um pedaço daquele nosso passado gostoso dos tempos em que morávamos em uma casa, onde a gente ainda podia andar nas ruas, soltar pipas e brincar inocentemente.

Eu me incumbi de fazer uma quiche. Uma quiche de queijo que aprendi muito antes de pensar em fazer os pratos que hoje faço.

A receita nem é tão difícil mas a forma de fazer pode fazer a diferença.

Você vai precisar, se quiser fazer uma igual, de 2 xícaras de farinha de trigo. Coloque ela, peneirando, numa tigela onde possas manusear a massa. Pegue uma noz moscada e dê umas duas ou três raspadinhas ali sobre a farinha de trigo. Também, uma colherinha de café rasa de sal.

Pegue uma barrinha de manteiga sem sal, gelada, e separe 3/4 dela. Isso dará aproximadamente 150 gramas. Corte ela (a manteiga) em pequenos cubos e coloque sobre a farinha. Dê uma rápida enfarinhada neles e, com a ajuda de um garfo, comece a agregá-la à farinha, formando uma farofa. Coloque duas gemas de ovo (sem a pele) para dar mais umidade. Acrescente duas colheres de sopa, rasas, de leite. Agora, manuseie a massa com as mãos, apertando, até que ela fique um pouco maleável. Não precisas nem deves ficar amassando muito.

Agora, depois de preparada, ela precisa descansar no frio. Coloque-a em um saco plástico e deixe no refrigerador por meia-hora ou uma hora inteirinha.

Enquanto isso, com a ajuda de um ralo grosso, rale queijo amarelo (prato, mussarela, gouda, quartiolo, bola,....) que dê para encher 2 xícaras de mãe. Separe.

Numa tigela, misture, com a ajuda de um garfo, 3 ovos inteiros (menos a casca, tá?). Adicione 3/4 de xícara de creme de leite fresco (mas pode ser o de caixinha) e 3/4 de xícara de iogurte natural. Pode, também, usar tudo de um único ingrediente. Mais creme de leite, mais "gordo"; mais iogurte, mais "magro". Pronto! Faça com o melhor para sua mãe.

À parte misture 3 colheres rasas de sopa de queijo tipo parmesão com 1 colher de chá de páprica picante. Depois junte ao recheio.

Aqueça antecipadamente o forno à 180 ºC.

Abra a massa forrando o fundo e as laterais de uma forma de aro removível. Pincele a parte interna da massa com clara levemente batida com uma pitada de sal. Coloque o recheio e leve ao forno para assar até que esteja firme e corada. Algo como 30/40 minutos. Claro que vai depender do seu forno...

Retirei do forno. Deixei esfriar um pouco e levei para a casa dela, ainda quentinha. Chegando lá, na hora de colocar na mesa, ella trocou de roupa e de "sapato": calçou um belo prato de servir que estava guardado no "guarda-loucas" (é, mãe antiga tem dessas coisas na sala de jantar – que também é usada para almoçar) e foi para o centro do palco: a mesa! Junto estavam a salada de bacalhau que a Véra havia feito, o arroz de festa que aprontamos e pronto. Simples, frugal, mas com amor e carinho.

Com os olhinhos já apertados e com a ajuda de suas duas bengalinhas dona Diva sentou-se na cabeceira da mesa. Ali fizemos nossa farra. Ali - juntos os filhos – a nora almoçamos, rimos, choramos e relembramos o começo de nossas caminhadas.

De sobremesa, duas das "meninas" fizeram uma torta de mação e uma musse de maracujá.

Depois, na hora do lanche – é, casa de mãe tem lanche todos os dias viu senhoras "nutris" que lêem este espaço – foi a hora de comermos o bolo da Maria de Fátima (que pra gente é a nossa “tita” querida), repetir a torta de maçã, a musse de maracujá e as delícias que a irmã de longe trouxe. E uma das netas da dona Diva estava lá.

Mais um tempinho com ela e ela voltou a ficar apenas em companhia da "tita", sua companheira de todos os dias. Na volta, em silêncio, agradecia ao Criador esse dia.

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Comida de mãe. Ou para a mãe?


Hoje eu acordei cedo. Parece que é a primeira vez que faço isto. Mas não. Desde muito tempo esse dia, apesar dos apelos comerciais que não gosto, procuro dar um pouco do meu tempo pra ela.

Desde muito pequeno – ainda me lembro de algumas coisas – hoje, relembro do carinho que ela sempre me dedicou. Ainda nos tempos da primária escola, num lugar chamado Dona Clara, ali espremidinho entre Madureira e o Largo do Campinho (que hoje é apenas um cruzamento), eu ia à pé todas as manhãs. Caminhada pelas ruas Maria José, Alaíde, Capitão Couto Menezes, Praça do Patriarca e, finalmente a rua Agostinho Barbalho, onde na esquina da travessa Carlos Xavier ficava meu encanto daquelas épocas.

Uma escola simples. Básica mesmo. E por isto mesmo nos dava o básico que nem hoje mais dão nas escolas municipais. Era homenagem ao Cardeal Arcoverde. Lá aprendi, entre outras coisas o respeito à Bandeira Brasileira. Fui porta-bandeira naqueles anos: de manhã tinha a incumbência, juntamente com dois colegas, de hasteá-la enquanto os demais estavam perfilados no páteo interno entoando o Hino Nacional. Lembrança viva do amor à Pátria.

Dessa época me lembro das épocas das frutas maduras no pé. Logo na entrada que a gente usava tinha um pé de manga carlotinha. Era chegar da escola e subir no pé para comer, sentadinho nos galhos dela. Nem tirava o uniforme de calça-curta azul marinho e blusa branca. Claro que quando resolvia descer, já com a barriguinha estufada de tanta manga e já sem fome, a blusa estava cheia de “veias” amarelas.

Quase sempre um esporro monumental, broncas sérias e “castigo”. Acabava privado de alguma coisa que depois das manguinhas já nem tinham mais tanta importância.

Depois de tirar a roupa e tomar um banho era hora de sentar à mesa e comer uma comidinha de mãe. Sempre gostosa. Sempre reconfortante: simples no modo de fazer e complexa de sabores dos próprios alimentos. Até hoje seu feijão é imbatível.

Depois vinha a época das uvas, das carambolas, das goiabas, dos abacates... sem falar nos ovos de galinhas criadas ali mesmo num galinheiro no fundo do quintal. Sem esquecer de nossa primeira chocadeira elétrica: uma caixa de sapatos e a lâmpada de um quarto que tínhamos no quintal. Ali os ovos eram colocados até que os pintinhos começassem a bicar a casca para sair. Sempre com a ajuda da Maria Baiana nossos dedinhos de criança ajudavam eles. Ainda os deixávamos na caixa para que a luz aquecesse suas pequenas penas e eles pudessem ficar bonitinhos.

Hoje cedo todas essas coisas me vieram à cabeça. Também acordei pensando na música que cantávamos na escola e em casa no Dia das Mães, composta por David Nasser e Herivelto Martins:

Ela é a dona de tudo
Ela é a rainha do lar
Ela vale mais para mim
Que o céu, que a terra que o mar

Ela é a palavra mais linda
Que um dia o poeta escreveu
Ela é o tesouro que o pobre
Das mãos do senhor recebeu

Mamãe, mamãe, mamãe
Tu és a razão dos meus dias
Tu és feita de amor de esperanças

Ai, ai, ai mamãe
Eu cresci o caminho perdi
Volto a ti e me sinto criança

Mamãe, mamãe, mamãe
Eu te lembro o chinelo na mão
O avental todo sujo de ovo
Se eu pudesse eu queria outra vez mamãe
Começar tudo de novo

Mas hoje era preciso manter as lágrimas escondidas dela. De alguma forma nos combinamos (eu e as irmãs)nos juntarmos lá e fazer um almoço e um lanche pra ela (afinal já disse que na casa da dona Diva todo dia tem lanche da tarde). Juntarmos a irmã que agora vive longe. Tentar viver um pedaço daquele nosso passado gostoso dos tempos em que morávamos em uma casa, onde a gente ainda podia andar nas ruas, soltar pipas e brincar inocentemente.

Eu me incumbi de fazer uma quiche. Uma quiche de queijo que aprendi muito antes de pensar em fazer os pratos que hoje faço.

A receita nem é tão difícil mas a forma de fazer pode fazer a diferença.

Você vai precisar, se quiser fazer uma igual, de 2 xícaras de farinha de trigo. Coloque ela, peneirando, numa tigela onde possas manusear a massa. Pegue uma noz moscada e dê umas duas ou três raspadinhas ali sobre a farinha de trigo. Também, uma colherinha de café rasa de sal.

Pegue uma barrinha de manteiga sem sal, gelada, e separe 3/4 dela. Isso dará aproximadamente 150 gramas. Corte ela (a manteiga) em pequenos cubos e coloque sobre a farinha. Dê uma rápida enfarinhada neles e, com a ajuda de um garfo, comece a agregá-la à farinha, formando uma farofa. Coloque duas gemas de ovo (sem a pele) para dar mais umidade. Acrescente duas colheres de sopa, rasas, de leite. Agora, manuseie a massa com as mãos, apertando, até que ela fique um pouco maleável. Não precisas nem deves ficar amassando muito.

Agora, depois de preparada, ela precisa descansar no frio. Coloque-a em um saco plástico e deixe no refrigerador por meia-hora ou uma hora inteirinha.

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Abra a massa forrando o fundo e as laterais de uma forma de aro removível. Pincele a parte interna da massa com clara levemente batida com uma pitada de sal. Coloque o recheio e leve ao forno para assar até que esteja firme e corada. Algo como 30/40 minutos. Claro que vai depender do seu forno...

Retirei do forno. Deixei esfriar um pouco e levei para a casa dela, ainda quentinha. Chegando lá, na hora de colocar na mesa, ella trocou de roupa e de "sapato": calçou um belo prato de servir que estava guardado no "guarda-loucas" (é, mãe antiga tem dessas coisas na sala de jantar – que também é usada para almoçar) e foi para o centro do palco: a mesa! Junto estavam a salada de bacalhau que a Véra havia feito, o arroz de festa que aprontamos e pronto. Simples, frugal, mas com amor e carinho.

Com os olhinhos já apertados e com a ajuda de suas duas bengalinhas dona Diva sentou-se na cabeceira da mesa. Ali fizemos nossa farra. Ali - juntos os filhos – a nora almoçamos, rimos, choramos e relembramos o começo de nossas caminhadas.

De sobremesa, duas das "meninas" fizeram uma torta de mação e uma musse de maracujá.

Depois, na hora do lanche – é, casa de mãe tem lanche todos os dias viu senhoras "nutris" que lêem este espaço – foi a hora de comermos o bolo da Maria de Fátima (que pra gente é a nossa “tita” querida), repetir a torta de maçã, a musse de maracujá e as delícias que a irmã de longe trouxe. E uma das netas da dona Diva estava lá.

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