domingo, 13 de junho de 2010

Festas juninas: a festa


O milho seco era passado numa máquina que debulhava e moía: já saia fubá colhido num saco em sua boca. Vinha nos ombros do Luizinho que fazia sua tarefa ao lado do curral. Junto com a farinha de trigo, a manteiga e os ovos colhidos ali mesmo daquelas meninas que viviam cantando e cacarejando a cada minhoca que achavam no terreno ou quando o milho debulhado era jogado para elas nas manhãs de todos os dias. Batidos virariam o querido e inigualável bolo de fubá de milho que mina boca sentiu.

A mandioca ralada até que muitas vezes os “nós” de nossos dedos também o fossem eram o componente imprescindível do bolo de mandioca que também era parceira dos ovos de gema tão amarelinhas e de claras tão consistente como meus olhos jamais viram. A farinha de trigo e a manteiga davam a textura ideal para que no tabuleiro untado e enfarinhado se transformassem, depois de frios em quadradinhos maravilhosos.

Uma rapadura era derretida até ficar um caldo grosso. Ali o amendoim já previamente assado era misturado e a calda reduzida. Depois derramados em porções que formavam os pés-de-moleque mais sapecas que eu comi. Era uma delícia colocar pedaços na boca e deixar a rapadura derreter enquanto mastigávamos o amendoim.

O coco ralado, no mesmo ralador usado para ralar a mandioca, servia para as cocadas e para o bolo de milho, para o cuscus, para a canjica, para o doce de abóbora. Muitos cocos... muita força nos braços. Muita farra!

Naquela tarde, ainda, Luizinho matou um pequeno porco. Depois e limpo e cortado em pequenos pedaços, uma fogueira foi montada entre tijolos para apoiar o tacho de cobre onde ele seria cozido em sua própria gordura: era assim que ele fazia sempre que matava um porco pois era preciso conservá-lo por mais tempo.

Na manhã seguinte era hora de colher lenha para arrumar a fogueira que aqueceria nossa noite e nossa bagunça. Além disso ainda precisaria ter como assar as batatas doces (nada melhor que batata doce assada na brasa de uma fogueira de festa junina. Tudo empilhado num lugar seguro, perto do campo de futebol era só esperar a noite chegar com suas estrelinhas pintando o azul noturno. Perto, as batatas doces e o milho em espigas.

As bandeirinhas já estavam no lugar: os “meninos” nativos nos ajudavam nessa arrumação. Além, é claro, de cada casa deles também colaborar nos quitutes. Apenas nenhum de nós sabia o que cada um levaria para a festa. Achamos, sempre, que assim era mais fácil: ninguém estava “obrigado” a fazer tal coisa... Todos ficavam à vontade para colaborar do jeito que podiam e sabiam.

Na cozinha a agitação estava mais forte, intensa. De longe se ouviam as gargalhadas provocadas quase sempre pelas histórias que eram contadas.

À noitinha, tudo arrumado e todos de banho tomado e com a sua “melhor roupa”, aquela das “missas dominicais”, estávamos lá. As crianças, claro, primeiro. Afinal o compromisso delas era apenas um: a diversão. Fogueira acesa já tinha gente cuidando para que a criançada não chegasse perto. Ninguém poderia se machucar.

O sanfoneiro já estava esquentando os dedos ao som da Capelinha de melão, de João de Barros e Adalberto Ribeiro, Pula a fogueira, de João B. Filho ou, ainda, Pedro, Antônio e João, de Benedito Lacerda e Oswaldo Santiago, entre outras que só ele conhecia. Mas estavam ali o som para nos alegrar a noite. Afinal, cantar mesmo só as mais famosas.

Da sede vinham os pratos arrumados: cocadas pretas e cocadas branca, bolo de fubá de milho, bolo cremoso de milho, canjica, arroz doce, doce de abóbora com coco, os pés de moleque e o bolo de mandioca. De salgado o porquinho assado, casquinha crocante feita no fogão à lenha, depois do seu cozimento na própria gordura. Também dois frangos foram assados para aqueles que não comiam carne de porco (afinal tem sempre aqueles que não podem ou não querem ou não gostam).

Todos ali. Alguém organiza uma dança da quadrilha. Imaginem se ensaiada tem sempre alguma coisa pra dar errado, assim, sem ensaiar, valia mesmo era pela farra. O sanfoneiro puxava, ele mesmo a quadrilha, e o povo rapidamente aumentava a fila e a roda. Pura diversão. Assim, cujo único compromisso era divertir.

Não haviam balões: a consciência ecológica era muito forte mesmo que ainda não se falasse abertamente sobre o assunto. Eles sabiam que era necessário manter a mata que dava a eles a proteção necessária e a terra em condições de dar a eles os alimentos que plantavam. Até a lenha só era usada das árvores que morreram de morte morrida. Quase nunca era necessário derrubar uma árvore com vida. E, muitas, vezes, precisavam recorrer a outras propriedades para não fazer uso disto.

A comilança corria solta. Se pudéssemos olhar as barriguinhas estavam todas estufadas pois não havia como controlar. Tudo muito gostoso e feito com o carinho e a simplicidade que hoje estão ausente de nossas mesas. O sabor dos alimentos realçavam em nossas bocas.

Lá pelas tantas alguém resolve fazer um leilão: não me lembro mais com qual finalidade. Só lembro que era uma galinha assada. A esta altura já cheia de frio e com as peles enrugadinhas sobre uma caminha de farofa num prato de papelão. Sucederam-se os lances até que na batida final do martelo um dos moradores do local arrematou. Claro que os mais chegados a ele logo se aproximaram e cuidaram da galinha ao seu jeito: comeram ela em pouco tempo.

Nesse ponto foi hora de começarem as danças dos casais. Primeiro, timidamente os morados começaram. Depois, nós começamos a nossa participação. Em dado momento já estávamos, nós dançando com eles. Era a integração total.

Nos cantos as crianças já estavam dando sinais de pilha descarregada. As mães começaram a se retirar para levar elas para as camas. E ai, não voltavam. Era de ser ver, lá de longe, as cabecinhas na janela, espiando a farra que continuava.

Aos poucos voltamos para a casa. Ainda tínhamos um dia para curtir.

As receitas estarão no próximo... Não percam!
E, para os que não leram o começo da história, basta clicar aqui.


F A C I L I D A D E S
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3 comentários:

Valentina disse...

Como recebo os posts no meu email muitas vezes nem venho aqui colocar comentario.to louca para ver as receitas.amo festa junina. nao vou ha uma há uns bons anos.

carlinhos de lima disse...

Obrigado pela visita, Valentina.

Aguarde: as receitas logo chegarão!

véra disse...

pula fogueira iô iô, pulafogueira iá iá...
cai cai balão...