sábado, 5 de junho de 2010

Festas juninas: o preparo


O tempo? Na realidade não importa tanto assim: pode ser qualquer mês dos junhos entre 1980 a 1990, talvez 1995. Minhas crianças ainda eram pequeninas... Serve apenas como referência.

A semana tinha sido complicada no trabalho mas em casa tudo já havia sido aprontado. Já havíamos combinado com o pessoal da Ilha (Antônio, Maria Teresa, Juliana, a baixinha querida (Dona Haydée)) e a tia Elisa.

O encontro era sempre na avenida Brasil, no estacionamento onde funcionava um Supermercado que não mais existe: Casas da Banha. Muito cedo mas nunca cumprido: sempre esperávamos o pessoal da Ilha. Era duro acordar o Antônio naquela época. Hoje já nem sei mais pois não temos mais feitos estas viagens pelo Brasil, juntos.

Enfim, chegados, partimos em direção à nossa Minas querida: Benjamim Constant: uma estação da antiga estrada de ferro dentro de uma antiga fazenda outrora chamada de Barra do Ouro Fino.

A Rio-Petrópolis nos obrigava sempre a uma parada no Alemão da serra: o xixi-amigo na manhã fria era obrigatório. O sanduíche de lingüiça e os biscoitos de polvilho eram compra obrigatória. Esta era apenas a primeira parada.

Mais adiante, no Bar Brasília, em Areal era a vez dos pastéis e de novos xixis. Mas agora era direto até Sapucaia, cidade limítrofe do Rio com Minas, já na Rio-Bahia de muitas lembranças.

A parada, nos primeiros anos acontecia na Cooperativa dos Produtores de Leite: lá encontrávamos a D-20 do tio Jorge, já cheia de comilanças para reforçar a despensa. Neste ponto trocávamos nossos carros pela caçamba da D-20 de saudosa memória. Os carros ficavam num cantinho da Cooperativa até nossa volta. Mas, a reserva da manteiga Sapucaiense era inevitável.

Todos arrumados era partir. A farra no meio das malas, travesseiros e crianças juntos com os sacos de compras era inevitável e o vento frio soprando insistentemente em nossos rostos. A corrida pela estradinha de terra tantas vezes ainda deixa uma ponta enorme de saudades no meu coração. O zigue-zague, as subidas e descidas, ora de pedregoso terreno, ora de saibro vermelho, liso que nem asfalto sempre me lembram das aventuras por ali. A chegada na sede era triunfal: buzinas e algazarra de todos: A Juça sempre sorridente e com o coração aos saltos no seu peito era só alegria. O tímido Luizinho, seu marido, mantinha um sorriso mais comedido em seus lábios enquanto os “meninos” meio assustados com a algazarra vinham ao nosso encontro. Abraços e elogios de ambas as partes se misturavam a expressões como “saudade”, “quanto tempo?”, “nossa!”, “como cresceu!”...

Era hora de levar as tralhas para dentro de casa. As comidas para a despensa não sem antes passar pela copa: espalhadas em cima da mesa e pelos cantos até que fossem arrumadas; as malas e outras tralhas já iam mais ou menos para os quartos que cada um já sabiam quais eram. Para as miúdas sempre um berço estava no quarto dos pais. As maiores ficavam num quarto só das meninas. Nessa família quase só meninas...

A algazarra e o falatório sem parar confundia quem de longe pudesse observar. Mas era assim, todas as vezes. E agora, largadas as tralhas o centro das confusões se mudava para a copa e para a cozinha onde reinava absoluto um enorme fogão à lenha! Sobre sua trempe caçarolas, frigideira, caldeirões abrigavam certamente as comidas mais confortáveis que minha alma já comeram: muitas delas colhidas da própria terra da fazenda. Assim foram arroz, feijão, milho, mandioca, banana, laranja, tangerina, goiaba, porcos, galinhas, ovos... E agora, pensando nessas coisas todas, as lágrimas da saudade descem de meus olhos e caminham pelo meu rosto até caírem no precipício que termina na mesa... Nuca mais terei esta possibilidade: as crianças cresceram, a fazenda acabou e até o fogão à lenha morreu... A vida continuou sua marcha célere...

Famintos (?!) procurávamos saber do almoço. Reconfortante comidinha quentinha para aquecer nosso corpo enquanto comíamos numa enorme mesa na varanda dos fundos da casa-sede. Em algumas vezes era preciso colocar uma outra mesa onde colocávamos a criançada... Ali, sobre a mesa, sempre o feijão plantado e colhido pelo Luisinho sempre novinho, era guardado misturado com “terra de formiga”: segundo ele o melhor conservante para os grãos do feijão. O arroz de sequeiro que ele colhia era uma delícia e sempre trazíamos um pouquinho para a cidade em nossa volta. Angú, um grande pedaço de peito havia sido feito como hoje aprendi em “baixa temperatura caseira”. Lá, a panela colocada na parte menos quente da trempe ficava desde a tarde do dia anterior ali apenas mudando de lado enquanto era pingada água fervendo mantida na chaleira que sempre teima em viver na trempe de um fogão à lenha. Batatas em profundidade eram consumidas: quando não cozidas, coloridas pelo molho ferrugem da carne assada, fritas de uma forma inigualável pelas hábeis mãos da Juça. As tiras em meia-lua, finas, primeiro cozidas “al-dente” e depois cortadas em palitos eram fritas até formarem uma casquinha crocante e um interior cremoso deixavam as crianças gastarem muitos quilos em suas passadas por lá.

Com as barrigas estufadas nossa atenção voltava a preparar a festa do dia seguinte. O arraial sempre era montado no adro da pequena capela chamada carinhosamente por nos de “igrejinha”. Ali era o ponto de reunião sempre que havia alguma festa daquela gente que viveu ali e em nossas mentes por muitos anos. Ao lado da igrejinha e da escolinha haviam casas onde antigos empregados da fazenda moravam e seguiam sua vida.

Na sede, uns cuidavam de fazer as bandeirinhas que iriam enfeitar o adro. Cola de farinha preparada e fria enquanto outros já cortavam papel fino para fazer as bandeirinhas (agora o povo compra já em pacotinhos..., meio sem-graça isto). Barbantes esticados na sala, na varanda e até no quintal eram coloridos com as bandeirinhas numa alegoria que mais parecia um quadro de Volpi.

Na cozinha, cada qual com a sua tarefa: ralar milho fresco, ralar mandioca, ralar coco seco (e beber a sua água), colocar de molho o milho branco da canjica, e torrar o amendoim com casca.

Continua na próxima semana... E ainda teremos as receitas!

F A C I L I D A D E S
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2 comentários:

Frenando disse...

A algum tempo leio o seu blog, tenho uma coisa a falar; PARABÉNS!!! Você escreve cobre comida com o coração, muito bom mesmo!!!

carlinhos de lima disse...

Obrigado, Fernando.

Este é um dos objetivos do blog: trazer a comida para a relação humana e não apenas ser um blog de receitas.

Volte sempre e, fique à vontade para sugerir a leitura pelos seus amigos.