sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Contos de Natal 2

Já era de noite quando saímos em grupo. Fomos de carro pois muita coisa havia para ser levada. As malas estavam cheias e nós, felizes e ansiosos pelo que encontraríamos pela frente.

Em nossas casas, a família certamente reunida. Algumas esperariam pela nossa volta. Mas não era isso que importava a cada um daqueles que ali estavam.

Tudo arrumado, demos a partida. Nosso grupo seguiu em direção ao centro velho do Rio. Pelo caminho, em nossa carro, canto incomum entre nós.

Primeira parada: as escadarias de uma igreja. Não importa a quem ela era dedicada pois afinal de contas todas elas são um encontro de religiosidade, não?

Ali, pelas escadas e pelas beiradas das portas de uma outra construção senhoras estavam ali como que a esperar pela nossa chegada. Todos os meses deste ano passamos por lá. Mas hoje era dia de outras coisas...

Não sabíamos seus nomes. Mas afinal de contas, seriam eles tão importantes assim? Mas vamos chamá-las todas de Marias. Marias de todos os sobrenomes (ou nomes compostos). Maria das Dores, Maria de Fátima, Maria de Nazaré, Maria do Perpétuo Socorro, Maria de Lourdes. E porque também não Conceição?

Eram 6 delas. Algumas, duplicatas. Duas Maria de Fátima.

Nossa companheira Cecília saiu do carro com um embrulhinho pequeno. Não sabíamos o que ele continha mas entregou para uma das de Fátima. Abraço apertado a velhinha deu nela. Demorado. Acariciado. Calmamente, sob os olhares das duas, ela abria seu embrulhinho. Mais um abraço apertado. E, como eu estava mais perto consegui ver uma lágrima descendo com pressa dos olhinhos pequenos daquela senhora.

E assim foi com cada um de nossos companheiros.

Chegou minha vez de ir lá no carro pegar meus embrulhinhos... Eles estavam embrulhadinhos em papel alumínio. Estavam morninhos. Cada uma delas recebeu um deles.

Uma a uma foram recebendo o pacotinho morninho e sem entender foram abrindo...

- O que é isso, moço? Perguntou a Conceição, enquanto abria o seu.

- Abra. Veja o que é... respondi antes que ela pudesse ter terminado de abrir.

- Meu Deus!!! exclamou ao permitir que seus olhos pudessem ver e seu cansado olfato pudesse voltar à infância e relembrar aquele perfume tão íntimo.

- Já faz muito tempo que eu não como!! Continuou ela enquanto o levava à boca.

- Mas está mais gostoso do que os que eu comia, moço. O seu tem um perfume diferente! Está bem gostoso! O senhor mesmo quem fez? Disparou ela.

- Sim. Aprendi com a sogra de meu primo. Haydée é o nome dela. Todos os anos eu apareço por lá pra ficar do lado dela enquanto ela termina de fazer. Aprendi a comer logo que fica pronto.

Ela terminou primeiro que as outras. Maria de Nazaré guardou junto com o outro presente numa sacola que ela não largava a não ser para esticar os braços e pegar o que íamos oferecendo.

Logo nos despedíamos delas e seguíamos para outro ponto de encontro.

Encontramos o velho Sebastião, de banho tomado e perfumado como ele nos fazia questão de dizer em todos os nossos encontros. Também recebeu seu presentinho dado pelo Secim e o meu pacotinho prateado. Como ele é muito tímido pediu para que nós permitíssemos que ele abrisse depois que a gente fosse embora.

Abraços em todos nós e desejos de felicidades que nos deixaram meio balançados.
Partimos em direção ao próximo grupo.

Lá encontramos o outro grupo. Estavam ali Tiago, Pedro, João e Mateus. Mas logo chegava Filipe com seu velho e surrado violão cantando sempre a mesma música...

Começamos a distribuição. Depois passei para cada um deles um pacotinho de prata. Sorriram todos ao sentir o calor em suas calejadas e sofridas mãos. Naquela noite disseram que ainda não haviam comido. O pessoal que todos os dias passava por ali para dar um prato de sopa ainda não havia passado. Dissemos que deveriam estar atrasados por conta das tarefas do dia. Mas se quisessem poderiam comer a sobremesa antes da sopa. Pedro não titubeou! Abriu o seu pacote e exclamou:

- Obrigado meu Deus! Obrigado por este pão que nos permitiste comer agora! Louvado Sejas. E em seguida, começou a dizer o Pai Nosso como que em agradecimento pelo alimento.

De nosso lado, uns se entreolhando aos outros, só lágrimas. Que mais poderíamos querer naquela noite de Natal? Que presentes mundanos poderiam alegrar nossos corações? Que alimentos, por mais farta que estivesses as mesas de nossas casas poderiam saciar a fome daqueles que pelas ruas vivem todos os dias?

Mas, o que havia naquele pão de especial?

Eram rabanadas de Natal. Rabanadas que aprendi especiais. Rabanadas que por muitos anos distribui aos que menos ou nada do que haviam em minha ceia comiam não só naquele dia mas em todos os dias de suas vidas.

O que havia de especial naquelas rabanadas? Não sei. Acho que nunca vou saber...

F A C I L I D A D E S
+ Acompanhe este blog pelo twitter.
+ Receba aviso sobre novos textos em seu email. Cadastre-se!
+ Antes de imprimir este texto, pense na sua responsabilidade com o meio ambiente: click aqui!

Nenhum comentário: