domingo, 26 de junho de 2011

Dia de João

As malas estavam já no carro. As crianças na maior zoação. Mas, ainda cinco da manhã. Farol ligado, motor quentinho e lá vamos nós descendo a ladeira de casa. Direção Minas Gerais.

Quase no começo da odisséia, uma parada no Porcão da brasil. É, naquela época ainda tinha um Porcão na av Brasil. Era o hipermercado da Casas da Banha. Os mais novos acham que Porcão é apenas a churrascaria de bacanas.

Paramos, falamos com o pessoal do outro carro e seguimos, os dois, pema Rio-Petrópolis. Próxima parada, Alemão da Serra. O trânsito estava tranquilo àquela hora. Uns poucos loucos se aventuravam na escura e cheia de neblina na subida da serra.

Logo chegamos no Alemão. Parada obrigatória para o cachorro de linguiça e refrigerante. Certamente aquela que parecia vestida de vestido caipira. Um xixizinho amigo antes, no gelado banheiro da casa e lá vamos nós para o balcão disputar com os poucos clientes e balconistas nossa vez. Lista feita e anotada é hora de esperar, ali mesmo, encostado no balcão. Enquanto isso as mulheres já estão olhando as novidades das vitrines e sempre voltam com o biscoito de polvilho, alegria das crianças. Depois, os pais que limpem o carro!

Os deliciosos cachorros são logo engolidos. Não dá pra ficar saboreando o primeiro. Só do segundo em diante. E olha que isso era apenas o café da manhã! Sempre o “da viagem” e o pagamento.

Novamente a estrada. Até o Bar Brasília. Ali, nova parada e um café preto com um pastel completava nossa refeição matinal. Claro, deixando nosso xixi por lá também. Agora, estrada até Sapucaia. Cidade para as compras para completar o farnel dos dias que ficaremos lá.

Parada na loja das Casas da Banha, o arroz que não tem mais lá, o macarrão que nunca teve, o feijão que também nunca teve, legumes e verduras que nunca foi o forte do caseiro. Depois, uma passada pelo açougue para comprar peças de peito de gado. Ah, sempre uma paradinha na farmácia para a Teresa comprar uns remedinhos básicos. Sempre!

Estradinha de barro seco levantava uma poeirada ao passar dos carros. O que vinha depois tinha que dar uma boa distância. A molecada já estava na fase da pergunta repetitiva: “falta muito pra chegar?” Por que será que criança sempre faz essa pergunta? O calor já batia firme e com a roupa de frio aumentava ainda mais.

Buzinas tocando loco próximo era sinal de que o bloco estava chegando. Cachorros latindo já vinham até a porteira e lá na varanda, Jorge e a Juça sua companheira até a morte.

Os empoeirados carros paravam no terreiro da frente e começava a beijação dos adultos, os cachorros implicando com as crianças pequenas e o choro de medo que daqui a pouco mais tempo deixaria de existir. Era só o tempo dos cheira-cheira e pronto!

Descarregar malas e comidas era tarefa quase sempre dos homens. Invariavelmente as malas eram largadas na sala e os sacos de comida na copa, antes de serem arrumados em seus devidos lugares. Para os carros o alívio do peso. Afinal iriam poder ficar ali, à sombra de coqueiros, descansando para o peso da volta!

Depois da maratona da ida, mesmo com o café da manhã no Alemão e o complemento no Brasília, o cheiro do mato e da lenha do fogão crepitando e levando por toda a casa o cheiro do feijão, a fome chega gritando alto!

Hora de arrumar a mesona na sala e terminar o almoço. Tinha folhas de mostarda para ser finamente fatiada e assustada na frigideira com cebola, alho e óleo. Ainda deu tempo de fritar batatas para as crianças. Uma geração movida, engordada e crescida pelas batatas fritas da Juça, especialmente cortados e crocanteadas somente por ela. Impossível reproduzir. Feijão e arroz junto com a farofinha de manteiga Sapucaiense completavam a primeira refeição firme do dia.

Muita farra na mesa grande e na pequena onde ficavam as crianças. Muitos assuntos para serem colocados em dia. Uma mudança radical no ritmo e no silêncio daquela casa centenária que viveu e nos influenciou por uma geração inteira. Depois de lavadas as louças e panelas vazias, hora do descanso merecido na tarde friorenta que fazia. Silêncio momentaneamente contrariado por uma ou outra conversa dos que insistiam em ficar tagarelando, sempre ou na cozinha ou na copa.

Inventamos a moda do pastel de goiabada no lanche da tarde. Goiabada não GOIABADA CASCÃO do Luizinho. Assim com letras maiúsculas e uma brutal saudade dos tempos que acabaram. Sem chances! Ainda levava uma generosa camada de canela com açúcar... E, o café preto coado e passado no saco já com açúcar. Sabores que ficaram no passado e que não podem mais voltar no futuro.

Hora de limpar o milho colhido ainda pela manhã. Umido como deve ser. Fresco como só nesses lugares existem. Deitar ralação num grande ralo “meia cana”, feito de alumínio das modernidades da época. E, haja braço para isso. Sorte é que sempre existiam muitos braços para revesar. Depois, leite e açúcar cristal pra adoçar e fogo de lenha na bunda da panela. Mexidinha sempre com colher de pau até engrossar. Depois, despesados no pirex ainda úmido (sem secar, pra modi soltar mais fácil das beiradas... Canela em pó sacudida em cima sepois de esfriado um pouco dava o tom e o sabor intrigante. Cremoso, não era de fatiar mas de tirar às colheradas para nossos pratos. Sem vontade de parar. Mas era preciso. Tínhamos que preparar o jantar para a tropa.

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As malas estavam já no carro. As crianças na maior zoação. Mas, ainda cinco da manhã. Farol ligado, motor quentinho e lá vamos nós descendo a ladeira de casa. Direção Minas Gerais.

Quase no começo da odisséia, uma parada no Porcão da brasil. É, naquela época ainda tinha um Porcão na av Brasil. Era o hipermercado da Casas da Banha. Os mais novos acham que Porcão é apenas a churrascaria de bacanas.

Paramos, falamos com o pessoal do outro carro e seguimos, os dois, pema Rio-Petrópolis. Próxima parada, Alemão da Serra. O trânsito estava tranquilo àquela hora. Uns poucos loucos se aventuravam na escura e cheia de neblina na subida da serra.

Logo chegamos no Alemão. Parada obrigatória para o cachorro de linguiça e refrigerante. Certamente aquela que parecia vestida de vestido caipira. Um xixizinho amigo antes, no gelado banheiro da casa e lá vamos nós para o balcão disputar com os poucos clientes e balconistas nossa vez. Lista feita e anotada é hora de esperar, ali mesmo, encostado no balcão. Enquanto isso as mulheres já estão olhando as novidades das vitrines e sempre voltam com o biscoito de polvilho, alegria das crianças. Depois, os pais que limpem o carro!

Os deliciosos cachorros são logo engolidos. Não dá pra ficar saboreando o primeiro. Só do segundo em diante. E olha que isso era apenas o café da manhã! Sempre o “da viagem” e o pagamento.

Novamente a estrada. Até o Bar Brasília. Ali, nova parada e um café preto com um pastel completava nossa refeição matinal. Claro, deixando nosso xixi por lá também. Agora, estrada até Sapucaia. Cidade para as compras para completar o farnel dos dias que ficaremos lá.

Parada na loja das Casas da Banha, o arroz que não tem mais lá, o macarrão que nunca teve, o feijão que também nunca teve, legumes e verduras que nunca foi o forte do caseiro. Depois, uma passada pelo açougue para comprar peças de peito de gado. Ah, sempre uma paradinha na farmácia para a Teresa comprar uns remedinhos básicos. Sempre!

Estradinha de barro seco levantava uma poeirada ao passar dos carros. O que vinha depois tinha que dar uma boa distância. A molecada já estava na fase da pergunta repetitiva: “falta muito pra chegar?” Por que será que criança sempre faz essa pergunta? O calor já batia firme e com a roupa de frio aumentava ainda mais.

Buzinas tocando loco próximo era sinal de que o bloco estava chegando. Cachorros latindo já vinham até a porteira e lá na varanda, Jorge e a Juça sua companheira até a morte.

Os empoeirados carros paravam no terreiro da frente e começava a beijação dos adultos, os cachorros implicando com as crianças pequenas e o choro de medo que daqui a pouco mais tempo deixaria de existir. Era só o tempo dos cheira-cheira e pronto!

Descarregar malas e comidas era tarefa quase sempre dos homens. Invariavelmente as malas eram largadas na sala e os sacos de comida na copa, antes de serem arrumados em seus devidos lugares. Para os carros o alívio do peso. Afinal iriam poder ficar ali, à sombra de coqueiros, descansando para o peso da volta!

Depois da maratona da ida, mesmo com o café da manhã no Alemão e o complemento no Brasília, o cheiro do mato e da lenha do fogão crepitando e levando por toda a casa o cheiro do feijão, a fome chega gritando alto!

Hora de arrumar a mesona na sala e terminar o almoço. Tinha folhas de mostarda para ser finamente fatiada e assustada na frigideira com cebola, alho e óleo. Ainda deu tempo de fritar batatas para as crianças. Uma geração movida, engordada e crescida pelas batatas fritas da Juça, especialmente cortados e crocanteadas somente por ela. Impossível reproduzir. Feijão e arroz junto com a farofinha de manteiga Sapucaiense completavam a primeira refeição firme do dia.

Muita farra na mesa grande e na pequena onde ficavam as crianças. Muitos assuntos para serem colocados em dia. Uma mudança radical no ritmo e no silêncio daquela casa centenária que viveu e nos influenciou por uma geração inteira. Depois de lavadas as louças e panelas vazias, hora do descanso merecido na tarde friorenta que fazia. Silêncio momentaneamente contrariado por uma ou outra conversa dos que insistiam em ficar tagarelando, sempre ou na cozinha ou na copa.

Inventamos a moda do pastel de goiabada no lanche da tarde. Goiabada não GOIABADA CASCÃO do Luizinho. Assim com letras maiúsculas e uma brutal saudade dos tempos que acabaram. Sem chances! Ainda levava uma generosa camada de canela com açúcar... E, o café preto coado e passado no saco já com açúcar. Sabores que ficaram no passado e que não podem mais voltar no futuro.

Hora de limpar o milho colhido ainda pela manhã. Umido como deve ser. Fresco como só nesses lugares existem. Deitar ralação num grande ralo “meia cana”, feito de alumínio das modernidades da época. E, haja braço para isso. Sorte é que sempre existiam muitos braços para revesar. Depois, leite e açúcar cristal pra adoçar e fogo de lenha na bunda da panela. Mexidinha sempre com colher de pau até engrossar. Depois, despesados no pirex ainda úmido (sem secar, pra modi soltar mais fácil das beiradas... Canela em pó sacudida em cima sepois de esfriado um pouco dava o tom e o sabor intrigante. Cremoso, não era de fatiar mas de tirar às colheradas para nossos pratos. Sem vontade de parar. Mas era preciso. Tínhamos que preparar o jantar para a tropa.

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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Bem simples

Vamos combinar que em termos de comida nem precisamos sofisticar para ficar satisfeitos. Uma comida daquelas de alimentar a alma é uma das coisas mais deliciosas dessa vida. E a lista delas pode ser interminável.

Só quem já comeu uma comidinha mineira, feita numa fazenda, num fogão à lenha tem noção do que é comer um angu com miúdos de frango. Um arroz branquinho, soltinho, feito numa panela de ferro não tem pra nenhum outro. E um peito assado, lentamente na beirada do fogão à lenha? Começa na hora de preparar a janta e só vamos comê-lo no almoço seguinte. Pode até ser de colher!

Ah saudades das Minas Gerais e sua comidinha “confortável”... Nessa época do ano a coisa fica se mexendo aqui dentro de minha cabeça que não dá sossego.

Voltam as lembranças dos tempos em que era preciso pegar um saco de arroz ainda com casca, guardado assim para melhor preservá-lo e colocar no lombo de uma chevrolet D-20 e, pisar “no da direita” com calma pois o chão era de barro. Lá íamos nós em busca de uma máquina de descascar arroz numa outra fazenda, uns 15 km adiante de nosso fogão. Ali o arroz entrava com casca e saía polido. Sem nenhum artifício. Arroz plantado nas terras de Minas, de Sequilho como eles chamavam naquelas épocas de coração feliz.

De volta, ainda se lavava o arroz. Era assim que era feito. Deixava escorrer ali na beirada da pia enquanto picava-se cebola à mão (ainda não tinha aprendido a usar a tábua de corte). Depois o alho, socado com um pedaço de pau para essa finalidade e também amassar uns grãos de feijão cozido pra engrossar o caldo. A gordura? Caiam ao chão! Era gordura de porco: dos criados e mortos para alimentar os homens que trabalhavam de sol a sol. Hoje em dia muita gente pode até condenar isso. Mas se experimentarem... calam a boca rapidinho. E, não era todo dia que comíamos dela...

O arroz ficava ali sendo empurrado por uma colher de pau de um lado para o outro da panela. Não se podia deixar ele sossegado enquanto não colocássemos a água sempre fervendo que passava o dia inteiro dentro da chaleira num dos lados do fogão, sempre ao alcance de quem regia a orquestra. Sons incríveis se ouvia enquanto a comida era feita: do crepitar da lenha no umbigo do fogão até o estalar do alho na gordura quente. O cheirinho do arroz ficando pronto... e, na outra panela, o feijão ali, reduzindo a água do cozimento e engrossando o caldo. Sempre perfumado com uma folha de louro colhida momentos antes de ir para a panela. Ah, feijão sempre catado na peneira de palha porque colhido ali mesmo sempre guardava em seu meio uns pedriscos safados e uma palhas que sobravam de sua “batida” no terreiro para deixá-los nús. Eram guardados em “pó de formiga” - a terra dos formigueiros que ficavam à mostra sobre a terra.

O feijão, um capítulo à parte. Poderia ser o pretinho, do gosto das gentes de lá, ou o carioquinha, do gosto de alguns de cá. Raramente naquelas bandas aparecia o mulatinho tão ao gosto do povo mineiro para acompanhar uma carninha de porco fritinha na própria gordura.

Básica, também uma farofinha de alho que depois de muito insistirmos passou a ter a companhia da abóbora ralada no ralo grosso. Assim, o sabor ficava melhor e era uma farra só no prato das crianças que misturavam para comer. Ou eram as mães que queriam enganá-las da presença da abóbora. Era bonito de ver as pequeninas com a boca toda suja de feijão levado à boca com colheres maiores que suas bocas. Coisa de endoidar... Depois todas para o tanque lavar a boca. E, muitas vezes trocar as roupas.

Ali na mesa os adultos nem precisavam se comportar. Afinal, num lugar desses, 15 ou 20 pessoas numa mesa comprida dessas que só conheci em 3 lugares da minha vida: No terreiro da casa da tremembé, na fazenda de Minas e no Roberta Sudbrack. Comidas simples. Comidas para se comer sem pressa. Para todas as bocas e gostos.

Era comum sentarmos à mesa para apenas comer feijão, arroz, farofa e peito assado. Para beber, limonada de limão galego ou de limão verde mesmo. O que tivesse. Adoçado com mel de favo que era peh=go nas árvores. Tudo das redondezas. Tudo criado pela região. O gado solto comendo capim e respirando aqueles ares geladinhos do outoono-inverno-primavera.

O almoço rendia mais do que a meia hora que os nutricionistas de hoje recomendam. Mas não era por conta disso. Era por conta do papo e da comida. Maravilhas que não mais temos tempo nessa vida corrida. Só os do mato tem essa chance. Vivem num tempo diferente do nosso. O trabalho acontece mas o relógio parece preguiçoso e vai caminhando como se tivesse pitando um fumo de rolo, picadinho no canivetinho que anda amarrado ao bolso.

Ah, e a sobremesa? Goiabada do Luizinho... NUNCA mais comi uma igual. Goiabas pegas maduras no pé e açúcar cristal. No mais, um tacho de cobre, uma enorme colher de pau e lenha de árvore seca colhida naquelas terras. Papo, muito papo e farra da molecada em volta. Depois, viradas nas formas cobertas com sacos plásticos de arroz.Era melhor para preservar depois de esfriado. Ponto de corte perfeito: nem duro nem mole. Pedaços de goiaba no meio da massa. Sinto até hoje esse sabor em minha boca. Luizinho do céu, Deus te abençoe! Ah, em mesa mineira não pode faltar o queijinho branco, não é? Então, na volta da limpeza do arroz passávamos na Fazenda do Heraldo (hoje o progresso acabou com ela para virar reservatório de uma hidroelétrica que ninguém fala). Queijinho fresco, deixado dessorar a noite inteira na friagem. De manhãzinha, no ponto de se cortar. Era um desespero parar de comer...

Era assim. Ainda pode ser assim, guardadas as diferenças culturais. É só fazer em sua casa. Experimente no próximo final de semana. Ou amanhã mesmo!

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Vamos combinar que em termos de comida nem precisamos sofisticar para ficar satisfeitos. Uma comida daquelas de alimentar a alma é uma das coisas mais deliciosas dessa vida. E a lista delas pode ser interminável.

Só quem já comeu uma comidinha mineira, feita numa fazenda, num fogão à lenha tem noção do que é comer um angu com miúdos de frango. Um arroz branquinho, soltinho, feito numa panela de ferro não tem pra nenhum outro. E um peito assado, lentamente na beirada do fogão à lenha? Começa na hora de preparar a janta e só vamos comê-lo no almoço seguinte. Pode até ser de colher!

Ah saudades das Minas Gerais e sua comidinha “confortável”... Nessa época do ano a coisa fica se mexendo aqui dentro de minha cabeça que não dá sossego.

Voltam as lembranças dos tempos em que era preciso pegar um saco de arroz ainda com casca, guardado assim para melhor preservá-lo e colocar no lombo de uma chevrolet D-20 e, pisar “no da direita” com calma pois o chão era de barro. Lá íamos nós em busca de uma máquina de descascar arroz numa outra fazenda, uns 15 km adiante de nosso fogão. Ali o arroz entrava com casca e saía polido. Sem nenhum artifício. Arroz plantado nas terras de Minas, de Sequilho como eles chamavam naquelas épocas de coração feliz.

De volta, ainda se lavava o arroz. Era assim que era feito. Deixava escorrer ali na beirada da pia enquanto picava-se cebola à mão (ainda não tinha aprendido a usar a tábua de corte). Depois o alho, socado com um pedaço de pau para essa finalidade e também amassar uns grãos de feijão cozido pra engrossar o caldo. A gordura? Caiam ao chão! Era gordura de porco: dos criados e mortos para alimentar os homens que trabalhavam de sol a sol. Hoje em dia muita gente pode até condenar isso. Mas se experimentarem... calam a boca rapidinho. E, não era todo dia que comíamos dela...

O arroz ficava ali sendo empurrado por uma colher de pau de um lado para o outro da panela. Não se podia deixar ele sossegado enquanto não colocássemos a água sempre fervendo que passava o dia inteiro dentro da chaleira num dos lados do fogão, sempre ao alcance de quem regia a orquestra. Sons incríveis se ouvia enquanto a comida era feita: do crepitar da lenha no umbigo do fogão até o estalar do alho na gordura quente. O cheirinho do arroz ficando pronto... e, na outra panela, o feijão ali, reduzindo a água do cozimento e engrossando o caldo. Sempre perfumado com uma folha de louro colhida momentos antes de ir para a panela. Ah, feijão sempre catado na peneira de palha porque colhido ali mesmo sempre guardava em seu meio uns pedriscos safados e uma palhas que sobravam de sua “batida” no terreiro para deixá-los nús. Eram guardados em “pó de formiga” - a terra dos formigueiros que ficavam à mostra sobre a terra.

O feijão, um capítulo à parte. Poderia ser o pretinho, do gosto das gentes de lá, ou o carioquinha, do gosto de alguns de cá. Raramente naquelas bandas aparecia o mulatinho tão ao gosto do povo mineiro para acompanhar uma carninha de porco fritinha na própria gordura.

Básica, também uma farofinha de alho que depois de muito insistirmos passou a ter a companhia da abóbora ralada no ralo grosso. Assim, o sabor ficava melhor e era uma farra só no prato das crianças que misturavam para comer. Ou eram as mães que queriam enganá-las da presença da abóbora. Era bonito de ver as pequeninas com a boca toda suja de feijão levado à boca com colheres maiores que suas bocas. Coisa de endoidar... Depois todas para o tanque lavar a boca. E, muitas vezes trocar as roupas.

Ali na mesa os adultos nem precisavam se comportar. Afinal, num lugar desses, 15 ou 20 pessoas numa mesa comprida dessas que só conheci em 3 lugares da minha vida: No terreiro da casa da tremembé, na fazenda de Minas e no Roberta Sudbrack. Comidas simples. Comidas para se comer sem pressa. Para todas as bocas e gostos.

Era comum sentarmos à mesa para apenas comer feijão, arroz, farofa e peito assado. Para beber, limonada de limão galego ou de limão verde mesmo. O que tivesse. Adoçado com mel de favo que era peh=go nas árvores. Tudo das redondezas. Tudo criado pela região. O gado solto comendo capim e respirando aqueles ares geladinhos do outoono-inverno-primavera.

O almoço rendia mais do que a meia hora que os nutricionistas de hoje recomendam. Mas não era por conta disso. Era por conta do papo e da comida. Maravilhas que não mais temos tempo nessa vida corrida. Só os do mato tem essa chance. Vivem num tempo diferente do nosso. O trabalho acontece mas o relógio parece preguiçoso e vai caminhando como se tivesse pitando um fumo de rolo, picadinho no canivetinho que anda amarrado ao bolso.

Ah, e a sobremesa? Goiabada do Luizinho... NUNCA mais comi uma igual. Goiabas pegas maduras no pé e açúcar cristal. No mais, um tacho de cobre, uma enorme colher de pau e lenha de árvore seca colhida naquelas terras. Papo, muito papo e farra da molecada em volta. Depois, viradas nas formas cobertas com sacos plásticos de arroz.Era melhor para preservar depois de esfriado. Ponto de corte perfeito: nem duro nem mole. Pedaços de goiaba no meio da massa. Sinto até hoje esse sabor em minha boca. Luizinho do céu, Deus te abençoe! Ah, em mesa mineira não pode faltar o queijinho branco, não é? Então, na volta da limpeza do arroz passávamos na Fazenda do Heraldo (hoje o progresso acabou com ela para virar reservatório de uma hidroelétrica que ninguém fala). Queijinho fresco, deixado dessorar a noite inteira na friagem. De manhãzinha, no ponto de se cortar. Era um desespero parar de comer...

Era assim. Ainda pode ser assim, guardadas as diferenças culturais. É só fazer em sua casa. Experimente no próximo final de semana. Ou amanhã mesmo!

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