sexta-feira, 17 de junho de 2011

Bem simples

Vamos combinar que em termos de comida nem precisamos sofisticar para ficar satisfeitos. Uma comida daquelas de alimentar a alma é uma das coisas mais deliciosas dessa vida. E a lista delas pode ser interminável.

Só quem já comeu uma comidinha mineira, feita numa fazenda, num fogão à lenha tem noção do que é comer um angu com miúdos de frango. Um arroz branquinho, soltinho, feito numa panela de ferro não tem pra nenhum outro. E um peito assado, lentamente na beirada do fogão à lenha? Começa na hora de preparar a janta e só vamos comê-lo no almoço seguinte. Pode até ser de colher!

Ah saudades das Minas Gerais e sua comidinha “confortável”... Nessa época do ano a coisa fica se mexendo aqui dentro de minha cabeça que não dá sossego.

Voltam as lembranças dos tempos em que era preciso pegar um saco de arroz ainda com casca, guardado assim para melhor preservá-lo e colocar no lombo de uma chevrolet D-20 e, pisar “no da direita” com calma pois o chão era de barro. Lá íamos nós em busca de uma máquina de descascar arroz numa outra fazenda, uns 15 km adiante de nosso fogão. Ali o arroz entrava com casca e saía polido. Sem nenhum artifício. Arroz plantado nas terras de Minas, de Sequilho como eles chamavam naquelas épocas de coração feliz.

De volta, ainda se lavava o arroz. Era assim que era feito. Deixava escorrer ali na beirada da pia enquanto picava-se cebola à mão (ainda não tinha aprendido a usar a tábua de corte). Depois o alho, socado com um pedaço de pau para essa finalidade e também amassar uns grãos de feijão cozido pra engrossar o caldo. A gordura? Caiam ao chão! Era gordura de porco: dos criados e mortos para alimentar os homens que trabalhavam de sol a sol. Hoje em dia muita gente pode até condenar isso. Mas se experimentarem... calam a boca rapidinho. E, não era todo dia que comíamos dela...

O arroz ficava ali sendo empurrado por uma colher de pau de um lado para o outro da panela. Não se podia deixar ele sossegado enquanto não colocássemos a água sempre fervendo que passava o dia inteiro dentro da chaleira num dos lados do fogão, sempre ao alcance de quem regia a orquestra. Sons incríveis se ouvia enquanto a comida era feita: do crepitar da lenha no umbigo do fogão até o estalar do alho na gordura quente. O cheirinho do arroz ficando pronto... e, na outra panela, o feijão ali, reduzindo a água do cozimento e engrossando o caldo. Sempre perfumado com uma folha de louro colhida momentos antes de ir para a panela. Ah, feijão sempre catado na peneira de palha porque colhido ali mesmo sempre guardava em seu meio uns pedriscos safados e uma palhas que sobravam de sua “batida” no terreiro para deixá-los nús. Eram guardados em “pó de formiga” - a terra dos formigueiros que ficavam à mostra sobre a terra.

O feijão, um capítulo à parte. Poderia ser o pretinho, do gosto das gentes de lá, ou o carioquinha, do gosto de alguns de cá. Raramente naquelas bandas aparecia o mulatinho tão ao gosto do povo mineiro para acompanhar uma carninha de porco fritinha na própria gordura.

Básica, também uma farofinha de alho que depois de muito insistirmos passou a ter a companhia da abóbora ralada no ralo grosso. Assim, o sabor ficava melhor e era uma farra só no prato das crianças que misturavam para comer. Ou eram as mães que queriam enganá-las da presença da abóbora. Era bonito de ver as pequeninas com a boca toda suja de feijão levado à boca com colheres maiores que suas bocas. Coisa de endoidar... Depois todas para o tanque lavar a boca. E, muitas vezes trocar as roupas.

Ali na mesa os adultos nem precisavam se comportar. Afinal, num lugar desses, 15 ou 20 pessoas numa mesa comprida dessas que só conheci em 3 lugares da minha vida: No terreiro da casa da tremembé, na fazenda de Minas e no Roberta Sudbrack. Comidas simples. Comidas para se comer sem pressa. Para todas as bocas e gostos.

Era comum sentarmos à mesa para apenas comer feijão, arroz, farofa e peito assado. Para beber, limonada de limão galego ou de limão verde mesmo. O que tivesse. Adoçado com mel de favo que era peh=go nas árvores. Tudo das redondezas. Tudo criado pela região. O gado solto comendo capim e respirando aqueles ares geladinhos do outoono-inverno-primavera.

O almoço rendia mais do que a meia hora que os nutricionistas de hoje recomendam. Mas não era por conta disso. Era por conta do papo e da comida. Maravilhas que não mais temos tempo nessa vida corrida. Só os do mato tem essa chance. Vivem num tempo diferente do nosso. O trabalho acontece mas o relógio parece preguiçoso e vai caminhando como se tivesse pitando um fumo de rolo, picadinho no canivetinho que anda amarrado ao bolso.

Ah, e a sobremesa? Goiabada do Luizinho... NUNCA mais comi uma igual. Goiabas pegas maduras no pé e açúcar cristal. No mais, um tacho de cobre, uma enorme colher de pau e lenha de árvore seca colhida naquelas terras. Papo, muito papo e farra da molecada em volta. Depois, viradas nas formas cobertas com sacos plásticos de arroz.Era melhor para preservar depois de esfriado. Ponto de corte perfeito: nem duro nem mole. Pedaços de goiaba no meio da massa. Sinto até hoje esse sabor em minha boca. Luizinho do céu, Deus te abençoe! Ah, em mesa mineira não pode faltar o queijinho branco, não é? Então, na volta da limpeza do arroz passávamos na Fazenda do Heraldo (hoje o progresso acabou com ela para virar reservatório de uma hidroelétrica que ninguém fala). Queijinho fresco, deixado dessorar a noite inteira na friagem. De manhãzinha, no ponto de se cortar. Era um desespero parar de comer...

Era assim. Ainda pode ser assim, guardadas as diferenças culturais. É só fazer em sua casa. Experimente no próximo final de semana. Ou amanhã mesmo!

F A C I L I D A D E S
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5 comentários:

Mônica disse...

Ai, Carlinhos!!
Você conseguiu me fazer chorar!! Me emocionei de tantas que foram as boas lembranças de minha infância na fazenda da minha vó, pude até sentir os cheiros...ô coisa mais boa. Meu final de semana, com certeza, vai ser bem melhor depois de hoje!
Beijo no coração,
Mônica.

Carlos Alberto de Lima disse...

Que bom Mônica.
Mais do que descrever receitas meu maior prazer é fazer as pessoas vivenciarem os alimentos, a preparação. O comer feliz e sem culpa.

Anônimo disse...

Que texto bonito e bem escrito demais, sô! Verdadeiro que só ele.
Parabéns,
Lúcia

Anônimo disse...

Carlinhos,
" mesa com mais de 20 como na Tremembe" que saudade... Porque hoje em dia não conseguimos reunir tantas pessoas em volta de uma mesa simples onde o papo corria solto?
Obrigada pelas lembranças... Bjocas, Iraní

DéJà Vu Artes e Design disse...

Parabéns pelo texto.