domingo, 14 de agosto de 2011

Dia de pai é só hoje?

Eu era bem pequeno e só lembro de certos momentos de minha vida pelas fotografias amareladas que aindam resistem ao tempo numa caixa de sapatos. A maioria delas se foi por algum motivo especial em determinados dias onde resolvemos “apagar” o passado ou, simplesmente, fazer uma “faxina” nas coisas que não usamos com a frequência diária e que impedem que novas coisas possam ser guardadas.

Das coisas que lembro de meu pai “bonachão” era o fato dele dividir o seu tempo conosco (eu e minhas irmãs) além claro de minha mãe. O seu semblante quase sempre muito sério não dava muita abertura para a gente ter um relacionamento tão aberto quando os que requerem os dias atuais. Mas ele demonstrava seu amor por nós mesmo daquele jeito.

Os seus dias, quase sempre atribulados com contas a receber e a pagar, na administração de um pequeno comércio que nos meus primeiros dias era maior pois lá havia toda uma parte voltada para a construção civil. O tempo passou e ele conseguiu refazer-se e voltou ao comércio só que desta vez mais voltado ao “bazar” como se chamavam os pequenos comércios de lembranças e coisa para o lar.

Em casa, sempre uma grande mesa onde sentávamos todos para todas as refeições principalmente nos finais de semana quando ele e minha mãe poderiam estar junto a nós na hora da refeição.

Na maioria das vezes minha mãe era quem cuidava da nossa comida. Mesmo nos momentos em que a vida nos permitiu ter uma ajudante ela gostava de estar à frente das panelas. Além, é claro, dos doces pois se formou uma doceira de “mão cheia” como sempre se diz para os que possuem muitas habilidades.

Sua comidinha, gostosa e simplesmente temperada (sem aquele mundão de sabores brigando entre si junto com o alimento). O arroz, branquinho e fumegante chegava aos nossos pratos junto com um maravilhoso feijão quase todos os dias.

Lembro, de uma época específica onde meu pai tinha ao alcance dele um açougue onde ele comprava a carne usada em nossas comidinhas. Ele gostava muito da alcatra (prazer que eu herdei dele pois a acho um corte versátil e de um sabor peculiar). Ali, nas vezes em que ele me levava eu podia ver o açougueiro retirar do gancho onde elas ficavam penduradas uma peça inteira (quase sempre) e dali tirar o pedaço para meu pai. Nunca o “primeiro ou segundo peso” pois segundo ouvi de meu pai ali ara a “zona de mistura” dos cortes. Partes que podiam sofrer a influência boa ou não tão boa, do corte que estava ao lado. Assim, nossos “bifes de todos os dias” eram repletos de um intenso sabor. Junto, aprendemos a tomar o caldinho que saía depois dos “sabores se assentarem” no prato. Brigávamos pela oportuinidade de derramá-lo sobre o fumegante arroz.

Daquela época lembro também dos doces com as frutas do norte que meu pai conseguia. Do pudim de leite que minha mãe fazia (sem o leite condensado que agora é quase sempre usado). Do cuscus feito na cuscuzeira que minha mãe tinha. Era gostoso comer naquela época. Era naquele momento, todos juntos, que aprendíamos muitos dos ensinamentos que nos formaram no adulto que somos hoje.

Ali, na mesa, aprendíamos a respeitar pai e mãe, que quando um adulto fala a criança ouve calada... Era o ensinamento de quem quem fala não ouve direito, não presta atenção. E assim fomos crescendo quase sempre no meio de pés de frutas: abiu, tamarindo, maracujá, uva, carambola, abacate, mangas carlotinha e espada... Também tínhamos um galinheiro de onde tirávamos os ovos caipiras de nossas galinhas ora carijós, ora de “pescoço pelado” ora de pompudas vermelhas. Ovo fresquinho de galinha que só ciscava no chão de terra e comia milho. Nada dessas misturas loucas que vemos hoje em dia. Também, para renovação do plantel, comíamos as mais velhas das galinhas. Carne saborosa que ainda tenho em minha memória gustativa.

Subíamos nas árvores para pegar as frutas maduras: outro sabor. As de hoje, colhidas mais cedo para permitir chegar “de vez” na casa das pessoas não tem o mesmo sabor. As mangas tinham gosto de manga, cor de manga, suco de manga escorrendo pelas nossas pequenas bocas e sujando nossa roupa... Como era bom viver, pequenos, na casa de nosso pai e de nossa mãe.

Depois do jantar, sentados no sofá da sala podíamos ouvir programas da Rádio Mayrink Veiga: humorísticos que nos faziam dobrar gargalhadas. Mas também fazíamos nossas bagunças. Ficávamos de castigo sem poder brincar. Mas crescemos responsáveis e sabendo os nossos limites e os de nossos próximos.

Lembro das manhãs das segundas quando acordávamos bem cedinho, ainda “de noite” para meu pai me levar para a escola. Andávamos um bom pedaço, pegávamos o bonde “78” e lá íamos no seu balanço e com o vento frio das manhãs em nossos rostos até São Cristóvão, onde ficava o Colégio Pedro II. Depois meu pai voltava sozinho pra casa e depois voltava para me pegar. Ai voltávamos conversando sobre a semana que passava longe dele. Muitas novidades e vivências eram compartilhadas com os passageiros ao nosso lado (até aquele que quase morreu de broinquite por não tomar o Rhum Creosotado da propaganda do bonde...).

Como era bom aquele tempo. Cresci e ele envelheceu. Seu prazo de validade acabou e ele foi viver junto de Jesus Cristo, lá no céu. Por isso, nestes tempos sempre fico olhando para as nuvens para ver se o acho. Quem sabe comendo um camarão no alho e óleo?

F A C I L I D A D E S
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3 comentários:

Sonia disse...

Linda história!!
Nossos tempo era maravilhoso.
Também fico a procura do meu!
Parabéns!
Bjs saudosos!

véra disse...

comendo camarão ou quem sabe degustando um saboroso tacacá!!!

Shirley Guimarães de Mello disse...

Amado, teu texto toca o meu coração e me faz lembrar de um tempo longe, em que a casinha era um barraco de madeira, em que não havia tvs de led nem congelados. Um tempo que ia no abatedouro e minha mãe escolhia a galinha do almoço, um tempo de mais prosa e menos embotamento. Obrigada amigo, bjs pra vc e pro teu paizinho onde ele estiver.