quarta-feira, 6 de junho de 2007

Doce de leite de teta de vaca

Um dos meus novos desafios é fazer o doce de leite quase perfeito.

Como quase perfeito aquele que apenas tenhamos a sensação de ser doce. Apenas isto: simples assim.

Não quero doce de leite que o primeiro sabor a ser sentido seja o do açúcar. Quero perceber os sabores do leite e depois o do açúcar. Difícil nos dias de hoje numa cidade “grande”. Faltam matérias primas honestas e adequadas.

Parti em busca do desejo: fui a um lugar onde já não ia faziam seis anos. Isto mesmo: depois de viver intensamente aquele lugar, afastei-me por diversos motivos que não importa neste contexto. Lá fui eu em companhia de quem nasceu lá a um tempinho grande: 92 anos. Lá ainda mora seu irmão de 87 anos, numa casinha que tem mais de 100 anos, que tem um fogão à lenha. E ai esta minha ligação quase visceral com o lugar: mato, mato, natureza, bichos de muitas espécies (já vi um bando de macacos barbudos). Lugar de comer tatu (muito antigamente), leite de teta (é colhido ali num copinho de geléia e bebido quentinho da vaca), de cana colhida, feijão, arroz, milho, mandioca e tantas delícias.

Hoje já não é mais assim. Encontrei o tal do progresso por lá. Já tem luz elétrica! Já se foi o tempo do lampião, depois do motor a “ólio dirce” (um tal de óleo diesel das grandes cidades) que nos embalava o sono com seu barulhão. Depois veio a “usina elétrica” movida a roda d'água até esta novidade dos postes de concreto com fios conduzindo eletricidade. Ah, que saudades das caminhadas à cavalo, de chupar frutas no pé, escolhendo as mais madurinhas: nada de frutas verdes... Que saudades de andar descalço na chuva, pés espremendo o barro amolecido pela água, de ficar atolado com o carro e carregar filha no colo por mais de 5km de madrugada, depois de viajar do Rio pra lá debaixo de chuva. Banho de água aquecida pela lenha do fogão.

Aliás o fogão é um capítulo extra nesta história toda. Colheita responsável da lenha nossa de cada dia agora proibida por um tal de IBAMA. Está sendo como muita coisa neste nosso Brasil onde a história vai sendo apagada assim mesmo aos trancos e barrancos em nome de um progresso que destrói. Eu já vi esse filme em outros cinemas também...

Mas e onde entra o doce de leite quase perfeito?

Bem nessa última chegada ao paraíso que está acabando... As vacas do caminho sumiram. Onde elas estão? Ah, Carlinhos, ainda tem lá na fazenda do “seu” Romeu. EU QUERO! Eu quero fazer doce de leite. Eu quero aprender a fazer doce de leite como vocês aprenderam desde pequenininhos a comer. Eu quero desse: leite de verdade e açúcar de mentirinha mesmo. O leite a gente consegue que ainda seja parecido com os de antigamente: gordo, puro, só peneirado numa peneira fininha de plástico. Nem ferveu antes: tomou logo açúcar. E braço! Braço para mexer por mais de hora, embalado pelo papo na cozinha. Cada um dos antigos palpitando sobre o fazer, sobre o “ponto”... Mas não deu pra ser na lenha como eu queria. O tal do IBAMA não deixou mais. E as árvores arrancadas em nome do progresso, ali, que nem os mortos nas nossas favelas. Caídos no chão sem sequer a lona preta que os cadáveres da cidade ainda ganham. Sem que ninguém venha chorar a sua morte. Apenas eu ali, olhando aquela mangueira que me habituei a ficar namorando da janela do quarto que uso por mais de 40 anos... Foi triste ver ela ali. Lembrar do nosso último abraço na penúltima vez que estive lá. Perdi uma grande amiga que me acolhia com seu corpo gordo (não conseguia pegar meus dedos quando passava os braços em sua cintura).

Meu coração ficou muito triste por isto. Ela ali largada na beira do córrego que durante todos os anos da sua vida alimentavam se belo e frondoso corpo e nos permitia chupar aquela manga espada criada apenas com o que a natureza permitia: sol e água. Tão simples, tão pura. Morrei a golpes de motoserra. Sem gritar até o tombar inerte. Largaram ela lá. E nem me deixaram chegar perto...

O doce de leite? Lindo, cor suave, mais ainda assim doce. De Leite de teta de vaca!

Doce de leite de teta de vaca

Um dos meus novos desafios é fazer o doce de leite quase perfeito.

Como quase perfeito aquele que apenas tenhamos a sensação de ser doce. Apenas isto: simples assim.

Não quero doce de leite que o primeiro sabor a ser sentido seja o do açúcar. Quero perceber os sabores do leite e depois o do açúcar. Difícil nos dias de hoje numa cidade “grande”. Faltam matérias primas honestas e adequadas.

Parti em busca do desejo: fui a um lugar onde já não ia faziam seis anos. Isto mesmo: depois de viver intensamente aquele lugar, afastei-me por diversos motivos que não importa neste contexto. Lá fui eu em companhia de quem nasceu lá a um tempinho grande: 92 anos. Lá ainda mora seu irmão de 87 anos, numa casinha que tem mais de 100 anos, que tem um fogão à lenha. E ai esta minha ligação quase visceral com o lugar: mato, mato, natureza, bichos de muitas espécies (já vi um bando de macacos barbudos). Lugar de comer tatu (muito antigamente), leite de teta (é colhido ali num copinho de geléia e bebido quentinho da vaca), de cana colhida, feijão, arroz, milho, mandioca e tantas delícias.

Hoje já não é mais assim. Encontrei o tal do progresso por lá. Já tem luz elétrica! Já se foi o tempo do lampião, depois do motor a “ólio dirce” (um tal de óleo diesel das grandes cidades) que nos embalava o sono com seu barulhão. Depois veio a “usina elétrica” movida a roda d'água até esta novidade dos postes de concreto com fios conduzindo eletricidade. Ah, que saudades das caminhadas à cavalo, de chupar frutas no pé, escolhendo as mais madurinhas: nada de frutas verdes... Que saudades de andar descalço na chuva, pés espremendo o barro amolecido pela água, de ficar atolado com o carro e carregar filha no colo por mais de 5km de madrugada, depois de viajar do Rio pra lá debaixo de chuva. Banho de água aquecida pela lenha do fogão.

Aliás o fogão é um capítulo extra nesta história toda. Colheita responsável da lenha nossa de cada dia agora proibida por um tal de IBAMA. Está sendo como muita coisa neste nosso Brasil onde a história vai sendo apagada assim mesmo aos trancos e barrancos em nome de um progresso que destrói. Eu já vi esse filme em outros cinemas também...

Mas e onde entra o doce de leite quase perfeito?

Bem nessa última chegada ao paraíso que está acabando... As vacas do caminho sumiram. Onde elas estão? Ah, Carlinhos, ainda tem lá na fazenda do “seu” Romeu. EU QUERO! Eu quero fazer doce de leite. Eu quero aprender a fazer doce de leite como vocês aprenderam desde pequenininhos a comer. Eu quero desse: leite de verdade e açúcar de mentirinha mesmo. O leite a gente consegue que ainda seja parecido com os de antigamente: gordo, puro, só peneirado numa peneira fininha de plástico. Nem ferveu antes: tomou logo açúcar. E braço! Braço para mexer por mais de hora, embalado pelo papo na cozinha. Cada um dos antigos palpitando sobre o fazer, sobre o “ponto”... Mas não deu pra ser na lenha como eu queria. O tal do IBAMA não deixou mais. E as árvores arrancadas em nome do progresso, ali, que nem os mortos nas nossas favelas. Caídos no chão sem sequer a lona preta que os cadáveres da cidade ainda ganham. Sem que ninguém venha chorar a sua morte. Apenas eu ali, olhando aquela mangueira que me habituei a ficar namorando da janela do quarto que uso por mais de 40 anos... Foi triste ver ela ali. Lembrar do nosso último abraço na penúltima vez que estive lá. Perdi uma grande amiga que me acolhia com seu corpo gordo (não conseguia pegar meus dedos quando passava os braços em sua cintura).

Meu coração ficou muito triste por isto. Ela ali largada na beira do córrego que durante todos os anos da sua vida alimentavam se belo e frondoso corpo e nos permitia chupar aquela manga espada criada apenas com o que a natureza permitia: sol e água. Tão simples, tão pura. Morrei a golpes de motoserra. Sem gritar até o tombar inerte. Largaram ela lá. E nem me deixaram chegar perto...

O doce de leite? Lindo, cor suave, mais ainda assim doce. De Leite de teta de vaca!