Hoje cedo, enquanto caminhava em direção ao Célio de Barros, ainda moribundo mas vivendo a dar alegrias às crianças, jovens e adultos que buscam no atletismo um caminho saudável para suas vidas, pensava naquelas mãos que me conduziram pela vida. Ainda hoje, os passos mais impostantes são guiados por elas.
As músicas sucediam nos meus ouvidos mas minha cabeça estava lá junto daquelas mãos que muito cedo, tão logo eu cheguei me guiaram ao seu peito para a primeira refeição, claro não sem antes acariciar todo o meu corpo. Um alimento que era tão nutritivo sem ser tão colorido como minhas mestras de hoje em dia me ensinam. Mas tão importante para a minha formação como ser humano que nem mesmo o bico das bananas que tentavam fazer com que eu fosse alimentado de diversas formas foram incapazes de me convencer disto.
Tão jovem naquele tempo. Tão insegura, talvez pela primeira experiência que passava mas tão segura de si em sua índole e seu carinho.
Aquelas mãos que me levaram sempre uma comidinha gostosa feita com muito carinho e que ainda hoje é capaz de fazer um feijão como poucos já comi... Um arroz branquinho, soltinho em sua panelinha de barro só para o arroz de cada dia.
As suas mãos que descobriram outros caminhos para expressar seu amor nem sempre tão explosivo mas sempre profundo, pintou telas impressionantes que colorem as paredes de sua casa. Mãos que descobriram formas nas madeiras diversas e nos deram tantas formas e aprendizados ao longo desta vida.
Mãos que me ensinaram, recentemente, uma engenhoca para pegar as laranjas-da-terra que seguem nos galhos em direção ao inatingível azul celeste de seu quintal. Um simples ponto de interrogação na ponta de uma vara, fazem com que alcancemos as laranjas e as possamos separar do pedúnculo que as mantém sugando a seiva mater.
Mãos que me mostraram como descascar as laranjas com um simples descascador de legumes sem ferir a polpa branca das laranjas e mantê-las o mais polpudas possível para que o doce seja farto. Nem mesmo as mais modernas ferramentas que tenho conseguem aquela pele da forma como suas mãos conseguem.
Ali, depois do descasque, uma fervura com um pouco de sal. Depois, mergulhadas em água fria, uma casca dentro da outra – abraçadas pelas suas pétalas – mantém-se na profundidade adequada para que todas possam ficar submersas. Dois dias, três dias, trocadas várias vezes, num ensinamento que deve ter sido passado por uma das Marias que estiveram juntas a ela em sua vida: a Joana (que ainda hoje vive não só na vida exibindo orgulhosamente as marcas que o tempo não fizeram sair de suas mão que minha boca deixou como em minha cabeça e coração) e a Baiana que contava tantas histórias que encheram minha cabeça por muitos anos de minha vida e que hoje não sei mais de para onde sua vida lhe levou.
Depois disso, diferentemente do que aprendi em outras escolas, a calda não é feita antecipadamente. As laranjas são colocadas imersas em água e o açúcar colocado em seguida mantendo a proporção de uma xícara de água para uma de açúcar. A água fervida vai cozinhando as pétalas e o açúcar, desmanchando vai saturando as células das laranjas numa troca maravilhosa. Ela não esquece o pauzinho de canela que eu resolvi não deixar sozinho: coloquei uma florzinha de anis estrelado (gosto muito desse sabor nos doces caseiros, inclusive de bananas).
O fogo bem baixinho depois de iniciada a fervura vai lentamente trocando sabores e amaciando as pétalas verdes e colocando um brilho maravilhoso em sua superfície. O tempo? Só Deus sabe... mas não menos que duas, três.
A calda engrossa e não fica tão doce... Depois de esfriado é preciso guardar em um pote trancado com cadeado porque elas criam asas e voam para locais desconhecidos.
Essas mãos. Essas mãos que gosto de acariciar e pegar suas pelinhas que já enrugam suas mãos. Minha querida dona Diva: obrigado por todas as coisas que ainda hoje consegues me ensinar, pelos bilhetes guardados com carinho junto de mim e ao alcance dos meus olhos. Obrigado pela vida que me deste. Obrigado por ser minha mãe.
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