sexta-feira, 30 de março de 2012

Comidinha para crianças?

Não sou capaz de me lembrar como chegava na casa de dona Georgina e seu Chico naqueles dias. Mas estávamos lá naquela casinha simples de “duas águas” como chamam os arquitetos. Os muros não existiam pois os limites do terreno terminavam numa cerca com muita vegetação de forma a impedirr que os bichos que viviam soltos pudessem ir para a rua, de terra, ainda. Como caminho entre a rua e o portão de ripas, um córrego a céu aberto a vencer, sobre uma “pinguela”: aventura para mim e para a Véra, minha irmã.

Nessa rua sempre passava um tripeiro. Com seu cavalo (aliás, mais para pangaré) com as crinas bem compridas mas parecendo cortinas penduradas em seu pescoço, ele tocava um sino para chamar as “freguesas”. Era só ouvir o chamado e lá ia minha avó com uma vasilha para comprar as “tripas” de boi.

Seu Manoel, as casinhas de abelha de sempre pois hoje as crianças estão aqui comigo e quero fazer uma comidinha especial para elas. Um quilo!

Cortada e pesada, minha vó pega um rolinho de dinheiro que estava no bolso de seu vestido e entregou ao seu Manoel. Pegou o troco e voltamos nós três para dentro da casa. Meu vô estava cuidando dos bichos que tinha no quintal e pra aumentar o trabalho dele lá fomos eu e Véra pra tumultuar tudo. E criança lá sabe o que fazer nessas horas? Mas ele, carinhosamente e pacientemente não brigava com a gente. Poucas vezes reclamou de nossas bagunças.

Lá dentro, na cozinha, minha vó cuidava das coisas: tudo picado como era pra ser feito, bem ao gosto do vê, um português de Trás-os-Montes, que ainda não conheci. Será que terei tempo? Vontade não me falta.

A tripa (hoje conhecida entre nós como dobradinha) trás para muitos a lembrança de uma comida pesada e indigesta de se comer. Mas, naqueles dias, preparadas por minha vó não me lembro de ter que ficar que nem jacaré ou jibóia fazendo a digestão...

Cortada em tirinhas, ficava numa tijela separada, só pra ela. Depois ela dava uma “escaldada” talvez pra amolecer um pouco, tirar um pouco da gordura entranhada, sei lá! Escorria a água e deixava ela ai fazendo uma fumaceira braba! E não adiantava a gente perguntar porquye ela soltava aquela “fumaça”. Ela dizia que era assim mesmo, por causa do calor do fogo. Depois ela cortava o paio que já tinha ficado pendurado atrás da porta da cozinha junto com a carne seca.

As rodelas de paio eram colocadas noutra vasilha. Depois cebola bem picadinha na mão (ela fazia uns cortes na própria cebola depois cortava a cebola em cima da panela que estava no fogo com banha de porco. O cheirinho que chegava em nossos narizes era inebriante, posso dizer aos puristas de hoje. Os tomates, uns dois ou três, dependendo do dia, também picado assim, grosseiramente, mas sem sementes. Um dente de alho que ela dava uma porrada com a mão fechada. Soltava a casca e ele ficava assim meio chatinho... Então ela colocava ali na panela junto com a cebola e tomates. Cortava o cheiro verde também assim nã mão mesmo, dobrando e picando em cima da panela.

Depois dos temperos mexidos, ela colocava o paio para dar uma fritada como ela dizia. Mexia com uma enorme colher de pau. Depois ela colocava as tirinhas de tripa. Colocava água quente (ela sempre tinha uma chaleira com água quente pra usar na preparação da comida) pra cozinhar tudo com os sabores. Mais um tempo e colocava azeitonas verdes e pretas e os grãos de feijão branco que tinham dormido embaixo dágua!

A cada tempo (que não sei qual) ela chegava ali, levantava a tampa e dava uma mexidinha. Noutras vezes, colocava mais uma espirradinha de água quente. E assim ia até a hora de servir.

Fazia, também um arroz bem branquinho e fumegante para nosso almoço.

Chegando a hora, o vê sentava em seu lugar na cabeceira da mesa e ela na outra. Eu e Véra ficavamos no lado. Quase sempre eu junto dele e ela junto da vó.

E não faltavam fatias de pão francês, em bisnaga (formato que hoje não se encontra mais nas padarias. Alguns chamam de filão.) que ele gostava de ir molhando para colher o melhor: o caldinho. E acabava nos ensinando essa maneira gostosa e simples de se comer: com prazer!

Comíamos tudinho. Só não lambíamos os pratos porque eles nos ensinaram que isso não se faz. Mas, raspar o caldinho com um pedaço de pão não é quase igual?

F A C I L I D A D E S
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