segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Nascimento, vida e morte de um mineirinho


Volta e meia aparece aqui um texto falando das coisas de Minas. Em gastronomia – acho que como em quase todas as coisas da vida – as experiências nos tornam mais apegados ou desapegados a elas.

E assim tem sido comigo. As experiências com as comidas de Minas têm marcado muito os gostos bons que minhas lembranças guardaram ao longo desses anos de idas e vindas, encontros e desencontros.

Agora, depois de uma estada em Poços de Caldas, onde à procura de coalho para a produção de queijo foi até um trabalho fácil pois encontrei no primeiro lugar que fui olhar essas coisas de comida: um supermercado onde tive a primeira experiência de ter sido impedido pelo segurança de fotografar as formas como eles – organizadamente e bonita – arrumam as mercadorias. Para mim, diferentemente dos supermercados com os quais tenho convivido em algumas das outras cidades deste país. Ele me seguiu de longe até eu chegar ao caixa para ir embora. Percebendo isso, andava de um lado para outro apenas para incomodá-lo um pouco. Mas não foi grosseiro nem imperativo a ponto de mandar eu apagar as fotos já tiradas. Eu mesmo as deletei: já estavam gravadas na minha memória...

Depois do coalho na sacola de compras, caminhamos para o mercado Municipal. Lá conversando – o que me permitiam – nos diversos boxes que vendiam queijos, acabei chegando num em que virou papo de mineiro. Só faltou sentarmos num banco e prosear tomando café coado em saco de pano e comendo queijim.

Aprendi muita coisa ali conversando com o dono e com o empregado da loja. É claro que um bichinho ficou se remoendo dentro de mim para fazer logo um mineirim fresco.

Recolhi dos escondidos a forma, o termômetro, a seringa, o pano de morim, a peneira de plástico e a garrafinha do coalho e armei meu mis em scene. Ocupei, literalmente, toda a cozinha. Leite colocado numa grande panela e aquecido até 80ºC. Resfriado imediatamente com um banho maria de gelos até 38ºC foi a hora de colocar o coalho. Peguei a seringa e chupei da garrafinha 2ml do líquido. Coloquei ele num copo e ali, misturei com 2 colheres de sopa de água de moringa. Fresquíssima. Depois misturei ao leite. Mexi bem e coloquei a tampa na panela. Ali, o leite, tirou uma sesta comprida de 50 minutos. Morninho, a princípio.

Depois desse tempo, com uma espátula de confeiteiro (mas podia ser uma faca de lâmina comprida e fina, ou uma “lira” (que é o acessório correto) verifiquei o “ponto”. A lâmina precisava sair limpa. Perfeito! Limpinha!

Comecei, então, a fazer cortes com intervalos de 2cm aproximadamente. Depois, repeti o processo na transversal. Novamente coloquei o chapéu na panela e deixei ali 10 minutos, se tanto. Tirei o chapéu e verifiquei que o soro já dava sinais de sua graça. Com a ajuda de uma dessas colheres de servir arroz, comecei a andar com ela entre os cubos da coalhada, lentamente, por cinco minutos. Descanso de cinco minutos com a panela com seu chapéu. Novamente e por mais três vezes. Tirei um pouco do soro para usar em outras preparações. Hoje tenho preparado as massas-madres de meus pães com ele ao invés de água. Um gosto diferente. Mas, em breve, a produção de ricota...

Depois disto, o morim esticado sobre uma tijela de inox começou a receber a coalhada que era retirada da panela com a peneira de plástico. Um pouco so soro era escorrido na própria panela. Depois, deitado calmamente sobre o morim. Até que toda a coalhada fosse retirada da panela.

Ai foi a hora de dançar apertadinho com o morim entre as coxas dos dedos. O movimento frenético de remexer para lá e para cá quase como um forró. Era preciso reduzir as olheiras na formação do queijo. Mas, como acertar logo de primeira? Sabe-se lá! Bem, fiz isso por um tempo aproximado de cinco minutos. Depois, com a ajuda do pano, coloquei numa forma de 10 centímetros de diâmetro e com altura de aproximadamente 20 centímetros. Mas essa ainda não será com esse molde que eu casarei até que a morte nos separe.

O mineirinho já dava sinais de como seria. Gordinho e tampinha. Mas desses que trabalham roçando o dia inteiro: socadinho.

Ele ficou ali, espremido na forma e coberto com o pano úmido de soro por duas horas, se tanto. Talvez uma hora e trinta. Virei ele, cuidadosamente, Espalhei sobre a face que ficou para cima uma colher de sopa de sal grosso, peneirado numa peneira de malha mais grossa, para dar uniformidade.

Mais duas horas e salga novamente. E aqui começa a colheita do “pingo”, que será usado na produção do próximo queijo.

Colocado em uma tábua, dentro da forma, numa posição inclinada o suficiente para o soro escorrer para um coletor. Por dois dias permaneceu na forma para manter o perfil.

A cada dia, um banho e uma escovadinha com uma escovinha de cerdas naturais. Secagem com pano e novamente na tábua. A cada operação desta ele volta com o lado que estava para cima para contato com a tábua.

Esse processo se repete por 14, 21 dias conforme a escolha. Depois, uma boa faca e o coração pulsando a mil para saber como ficou ele. O primeiro pedaço é de curiosidade: olhos nos olhos, olfato ligado diretamente ao queijo. Explosão de perfume, varrem as lembranças registradas na memória. Os dedos tocam, sentindo a flexibilidade da massa viva. A mão leva o pequeno pedaço à boca. As papilas gustativas explodem suas sensações. Cada grão manda sua mensagem ao cérebro. Breve parada. Novamente a busca do reconhecimento do sabor. Nada. Nenhum outro igual. E assim ele vai passando para você sua personalidade, sua vida. Seu “DNA”.


bacalhaucombatata | Uma explosão de sabor.

Uma explosão de personalidade. Sabor intenso, cor variando do amarelo claro ao amarelo mais escuro.
Melhor saborear em companhia de um Pinot Noir de sua preferência.


Aos poucos outros pedaços são distribuídos. Depois do primeiro, um segundo, terceiro... até que não encontrasse um só grão sobre o prato.

Pois assim, nosso mineirinho morreu deixando a todos que de sua vida provaram uma experiência difícil de ser contada por palavras.

Se você tem oportunidade, faça um mineirinho. Depois me conta!



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4 comentários:

Fatima Dias disse...

Ai que delícia!!!!!

Fiquei com água na boca.

Eu também quero fazer um mineirinho.

Bjos, bjs, bjs

Li disse...

Olhos colados no texto, boca seca e mãos suando, acompanhei o nascimento do teu 1o. mineirinho! Tou cheia de orgulho docê!
Vai em frente, amigão!
Beijas!

véra disse...

e eu estava lá quando tudo começou!!!

Fatima Menezes disse...

Que trabalheira!!! Mas com certeza valeu a pena... nada parecido com os queijos comprados no supermercado! Vou aguardar o da ricota... Saudades! Beijos