quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Coisas simples

Agora mesmo estava eu sem lembrar que não havia almoçado. Algumas horas se passaram desde o horário que habitualmente faço meu almoço. Esqueci, sei lá. Não senti fome ou vontade de comer. Mas ao me “lembrar” não senti vontade de sentar e comer um prato de comida, por mais simples que fosse. Mas me lembrei que haviam bananas das que se plantavam e colhiam nos meus primeiros anos: com respeito, criadas nas matas de uma encosta e sem a preocupação de amadurecimento forçado e precoce. O meu bananeiro predileto há quase trinta anos, colhe as bananas nas quartas, tiras-as dos cachos e coloca sobre folhas de jornal para que a seiva natural saia. Que o “sangue” escorra de suas veias e ela possa estar pura, descansada. Elas são retiradas das suas bananeiras quando estão “de vez” e que amadurecerão naturalmente. Assim, as recebo ainda amadurecendo. Dois dias e já as como. E sinto seu doce e intenso sabor de banana. Sua cor interior é diferente das bananas que por vezes sou compelido a comprar ali no supermercado.

E, desta última vez que comprei com o Salvador (olha só o nome do bananeiro!), procurava por ele na nova localização da feira livre que por anos frequentei aos sábados. Por mais retrógrado que possa parecer este comércio de alimentos para “muita gente boa”, ou que se acha “boa” por esta vida. E, na conversa com outros feirantes um deles disse para outro: “faz um teste: coloca uma banana do Salvador e outra, de outro qualquer aqui da feira e veja qual delas um bicho qualquer vai comer primeiro!” É isso mesmo: os bichos “sentem” a natureza. Afinal vivem dentro dela cuidando-a com o maior carinho.

E essa banana que eu compro com o Salvador me faz voltar no tempo. E agora, cortei-as no sentido do comprimento, dazendo “fitas” que coloquei numa frigideira com um dedinho de azeite e outro de manteiga. Ela soltou todos os seus “açúcares do bem” para que eu pudesse sentir em sua plenitude o que é comer uma fruta madura naturalmente.

Ai me perguntei: para que o açúcar com canela que tantos humanos colocam sobre elas. Nessas não era preciso. Muito pelo contrário, iria estragar toda aquela explosão de sabor.

Enquanto comia me lembrava das frutas que pude ter nas casas por onde morei desde pequenino. Me lembro dos abius, dos tamarindos, das uvas, das mangas carlotinhas, das mangas espada, das carambolas, dos abacates, os limões-galegos, os figos. Depois, mais jovem conheci outras: as laranjas, os limões verdes, as jabuticabas, as goiabas... Todas, comidas dos pés. Maduras. Com a precisão que Deus nos deu. Na hora da plenitude. Simples assim.

A vida era simples. A gente comia coisas boas e simples. Agora complicam-se tudo. Invencionices no preparo e na agilidade da disponibilidade. A química da pressa e da ganância de homens preguiçosos e ambiciosos...

Até os peixes que meu pai ia comprar aos domingos, trazidos pelo pescador numa cesta de vime não existe mais. Agora pescado em embarcações são conservados em gelo ou frigorífico por tantos dias: ficam sem sabor e de textura emborrachada ao serem preparados. Que gosto tem um salmão ou um camarão criados em cativeiro? Não dá para comparar com os camarões que comia em São Pedro da Aldeia por muitos finais de semana que frequentei. O pescador trazia em suas pequenas canoas, o fundo delas brilhava ao refletir a luz da lua cheia sobre o corpo brilhante dos camarões cinzas. Que sabor! Que alegria! Que satisfação!

Mas o pessoal mais novo nem sabe o que é sabor de um peixe assim. De uma galinha criada ciscando no quintal. E os ovos, sem esse cheiro horrível que os “químicos” e restos de comida industrializada que entram na composição das rações. Nem os “orgânicos” criados em grandes granjas têm o mesmo sabor.

Era simples viver e comer para viver. Sem pressa. Conversando em família numa mesa. Fosse almoço ou jantar, todos ali conversando e sabendo das dificuldades e alegrias. Hoje, pede-se um sanduiche pelo telefone que chega frio e o comemos assim, entre goles de refrigerante e a tela do computador!

O simples comer virou pressa. Perdeu o tesão. Perdeu o sabor e a alegria. Até a batata frita foi substituída por uma pasta a pretesto de se fazê-la com curvas que ela mesma não tem...

Será que ainda dá tempo?

F A C I L I D A D E S
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